Autor(es):
Ferreira, Fernando Ilídio
Data: 2003
Identificador Persistente: http://hdl.handle.net/1822/197
Origem: RepositóriUM - Universidade do Minho
Descrição
Nas três últimas décadas, o local tem sido objecto de um interesse crescente, em
termos políticos, sociais e científicos. A proliferação de noções como autonomia, participação,
comunidade, contrato, projecto, parceria, e a emergência de políticas e práticas de gestão local
da escola, de desenvolvimento comunitário, de parceria entre serviços, instituições e
profissionais dos campos da educação, saúde e serviço social é um exemplo desse interesse
crescente. Este fenómeno não é novo, pois corresponde a um ressurgimento do nível local após
este ter estado abafado pela pelo nível nacional-estatal. O que é novo no período recente é o
facto de este fenómeno de re-localização ocorrer em simultâneo com a crise do Estado
Providência e com a emergência do fenómeno de globalização. Neste contexto, o estudo das
dinâmicas locais não pode ignorar as várias dimensões – local, nacional, global e, no nosso
caso, da União Europeia – que se cruzam e manifestam no nível local, de um modo mais
complexo do que anteriormente.
A investigação empírica, que foi realizada num concelho rural do Norte de Portugal
(Paredes de Coura) e na qual se procedeu à descrição e análise de dois tipos de dinâmicas
locais, revela essa complexidade. No primeiro caso, analisou-se uma dinâmica desenvolvida
por uma associação local dedicada essencialmente à educação de infância, mas que tem
desenvolvido as suas actividades nas localidades mais isoladas do concelho, integrando as
dimensões educativas e sociais e conferindo às crianças uma função de mediação em
processos de desenvolvimento local comunitário. No segundo caso, analisou-se uma dinâmica
conduzida pelos professores e pela autarquia, que culminou recentemente com a decisão de
concentração de todas as crianças do concelho que frequentam o ensino primário e algumas
que frequentam a educação pré-escolar num único edifício escolar localizado na Vila, com o
consequente encerramento de todas as pequenas escolas rurais das freguesias. Enquanto que
no primeiro caso as dinâmicas locais se desenvolvem numa lógica de proximidade e de
solidariedade com o mundo rural, contribuindo para a sua sobrevivência e para o seu
desenvolvimento integrado, no segundo caso elas são alimentadas pelos mitos da
homogeneidade e da concentração e influenciadas por uma concepção urbano-industrial de
desenvolvimento e por uma agenda das reformas educativas dos anos 80-90 que tem sido
dominada por uma lógica de racionalização e de modernização.
Na última parte desta dissertação, desenvolve-se uma reflexão crítica sobre o renovado
interesse pelo local, inspirada nos resultados da investigação empírica mas incluindo outras
escalas de análise. Esta reflexão é conduzida em torno de três conceitos-chave: animação
(animation socioculturel na tradição francófona e community development na tradição
anglosaxónica), gestão e parceria. Através dela, examina-se a ênfase com que cada um destes
conceitos se tem manifestado ao longo das três últimas décadas e das diferentes lógicas que
os têm caracterizado em termos de discursos e de práticas. Procede-se igualmente à análise
crítica de um fenómeno de apropriação retórica e gestionária do espírito militante das
linguagens e práticas da “animação”, que se tem verificado no âmbito das reformas educativas
e dos programas oficiais de política social dos anos 80-90. Argumenta-se que, neste período, a
noção de “gestão” se tornou dominante e a hegemonia da Escola se acentuou relativamente a
outros contextos e práticas educativas, mas, desde os anos 90, a noção de “parceria” tem
vindo a emergir como uma expressão de uma “lógica conexionista”, inspirada na metáfora da
rede, dominada por uma ideologia do consenso e baseada numa linguagem eufemística,
tornando-se necessário desenvolver um “pensamento reticular crítico” mais adaptado e
vigilante relativamente a esta nova lógica das sociedades contemporâneas. In the last three decades, the local dimension has been an object of increasing interest,
in political, social and scientific terms. The proliferation of notions, such as autonomy,
participation, community, contract, project, partnership, and the emergence of politics and
practices of local management of schools, community development and partnerships involving
services, institutions and professionals of education, health care and social work is an example
of that increasing interest. This phenomena is not new, since it corresponds to a renewal of the
local level, after it had been smothered by the national-state level. What is new in this recent
period is the fact that this re-localization phenomena occurs simultaneously with the Welfare
State crisis and the emergence of the globalization phenomena. In this context, the study of the
local dynamics can not ignore the several dimensions: local, national, global and, in our case,
the European Union; which cross and manifest themselves, in the local level, in a more complex
way than ever before.
The empirical research, that was carried out in a rural municipality in Northern Portugal,
in which two kinds of local dynamics were described and analysed, reveals this complexity. In
the first case, a local dynamic promoted by a local association was analysed. It is essentially
dedicated to childhood education, but develops its activities in the more isolated localities of the
municipality, integrating the educational and social dimensions and conferring to children the
role of mediation in community development processes. In the second case, a local dynamic
conducted by teachers and the local authorities was also analysed. This has culminated
recently with the decision of the concentration of all children of the municipality who attend
primary education and some who attend pre-school education in a single school building
located in the Village municipal centre, with the consequent enclosure of all small rural parish
schools. While in the first case, the local dynamics develop in the logic of proximity and
solidarity with the rural world, contributing to its survival and integrated development, in the
second case, they are supported by the myths of homogeneity and concentration and also
influenced by an urban-industrial conception of development and by the agenda of the
educational reforms of the 80’s and the 90’s, which have been dominated by the logic of
rationalization and modernization.
In the last part of this dissertation, a critical reflection about the renewed interest by the
local dimension in Education was developed by the inspiration of the empirical research results
and including other scales of analysis. This reflection is conducted around three key-concepts:
“community development” (corresponding to, in tradition, principles and in logical terms, to the
francophone concept of “animation socioculturel”), “management” and “partnership”. Through
this reflection, the emphasis with which each of these concepts has been manifested for the last
three decades and the different logics of the discourses and practices which have been
characterised were focused on. Finally, a phenomena of managerial and rhetorical
appropriation of the militant spirit of the “community development” practices and languages,
occurred in the ambit of the educational reforms and the official programs of social public
policies in the 80-90’s, was also observed. In this sense, we argue that, in this period, the notion
of “management” became dominant in the educational field and the hegemony of “school” was
accentuated to other educational contexts and practices, but, since the 90’s, the notion of
“partnership” has been emerging as an expression of a “connectionist logic”, inspired in the
network metaphor, dominated by an ideology of consensus, based on an euphemistic language
and appealing to the integration of the educational and social dimensions. As a consequence, it
is necessary to develop a “critical reticular thinking” more adapted and vigilant of this new logic
of contemporary societies.