Author(s):
Pinto, Ângela Filipa Fonseca
Date: 2009
Persistent ID: http://hdl.handle.net/10400.6/824
Origin: Ubi Thesis - Conhecimento Online
Subject(s): Carcinoma da bexiga; Carcinoma da bexiga - Fisiopatologia; Carcinoma da bexiga - Estatinas - Uso terapêutico; Cancro da bexiga - Estatinas - Aspectos preventivos; Biomarcadores tumorais
Description
No mundo ocidental, o cancro da bexiga ocupa o quarto lugar no ranking das neoplasias mais frequentes nos homens e o oitavo nas mulheres e contabiliza 5 a 10% de todas as patologias no sexo masculino. É uma neoplasia com taxas de incidência e prevalência preocupantes, para além de ter elevados custos socioeconómicos.
Os índices de mortalidade, ainda que elevados, têm vindo a diminuir nos últimos anos devido a uma detecção mais precoce e a melhorias na sobrevivência; no entanto, ainda não o suficiente para causar impacto positivo na morbilidade e mortalidade globais. Por estas razões, tornou-se importante a realização de mais estudos no sentido de descobrir os mecanismos fisiopatológicos associados ao cancro da bexiga, quer a nível celular quer molecular, uma vez que só a partir destes se poderá, com maior eficácia, testar fármacos com potencial preventivo que revertam esses mecanismos.
O modelo de indução de carcinoma da bexiga por nitrosaminas, em particular o N-butil-N- (4-hidroxibutil) nitrosamina – BBN – em ratos Wistar tem sido o modelo mais utilizado no estudo da fisiopatologia do tumor e dos efeitos terapêuticos de alguns fármacos, devido às semelhanças histológicas com o carcinoma da bexiga nos humanos.
Estudos anteriores sugeriram alguns fármacos com potencial efeito na prevenção do carcinoma, especialmente pela sua possível interferência em mecanismos de proliferação, stresse oxidativo e inflamação.
Um dos fármacos de potencial interesse são os inibidores da reductase da 3-hidroxi-3-metilglutaril-coenzima A (HMG-CoA), mais conhecidos por estatinas, que, para além das propriedades anti-dislipidémicas, são-lhes atribuídas outras capacidades, conhecidas como efeitos pleiotrópicos, que podem aqui ter um papel fulcral na prevenção do desenvolvimento tumoral.
O objectivo final deste estudo, composto por duas fases distintas, consistiu na avaliação das potencialidades das estatinas, em particular a atorvastatina, na terapêutica preventiva do carcinoma da bexiga. A primeira fase do estudo tinha como finalidade a caracterização e validação do modelo de carcinoma da bexiga induzido por BBN em ratos Wistar machos e a segunda fase compreendeu a avaliação da capacidade da atorvastatina na prevenção do desenvolvimento do carcinoma da bexiga, tanto em monoterapia de baixa e alta dose, como em associação com um inibidor selectivo da ciclooxigenase-2 (COX-2) – celecoxibe.
Para alcançar os objectivos propostos, foi elaborado um protocolo experimental que envolveu 7 grupos: i) grupo Controlo- apenas veículo; ii) grupo EST (30 mg), administrado com 30 mg/Kg/dia de atorvastatina (Zarator®); iii) grupo CEL (10 mg), tratado com 10mg/Kg/dia de celecoxibe (Celebrex®); iv) grupo BBN, administrado com BBN (0,05%); v) grupo preventivo EST (30 mg) + BBN, tratado com 30 mg/Kg/dia de atorvastatina e BBN; vi) grupo preventivo EST (3 mg) + BBN, ao qual foram fornecidas 3 mg/Kg/dia de atorvastatina e BBN e vii) grupo sinergístico EST (3 mg) + CEL (1 mg) + BBN, com administração simultânea de 3 mg/Kg/dia de atorvastatina e de 1 mg/Kg/dia de celecoxibe, e BBN.
Os fármacos foram dissolvidos em sumo de laranja e administrados por via oral, e o BBN foi diluído na água de bebida (ad libitum), ambos durante as primeiras 8 semanas. Atingidas as 20 semanas de tratamento, procedeu-se à colheita de sangue dos ratos, para posterior análise de vários parâmetros bioquímicos, e de seguida foram sacrificados para efectuar a colheita de órgãos.
Foram efectuadas uma avaliação histomorfológica qualitativa (obtida da microscopia) e uma avaliação quantitativa da percentagem de tumores por grupo, número de tumores por rato e volume tumoral. O estudo histomorfológico foi complementado com a determinação de concentrações séricas de alguns marcadores tumorais (TGF-β e TNF-α), inflamatórios (IL-1β, IL-6 e PCR) e de equilíbrio oxidativo (MDA e TAS). Os parâmetros hemodinâmicos foram também analisados, nomeadamente pressões arteriais, perfil glicémico, função renal e hepática, perfil lipídico e hemograma ao nível plaquetar e eritrocitário, assim como apreciados os indicadores de trofismo cardíaco, renal e hepático.
Os resultados obtidos no grupo BBN em relação ao grupo Controlo demonstraram uma elevada percentagem de tumores (65%), acompanhada por um número médio de tumores por rato de 1,2 e de um elevado volume tumoral médio (cerca de 720 mm3). Neste grupo constatou-se a presença de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas como hiperplasias, displasias de alto e de baixo grau, tumores papilares, além da evidente atrofia do urotélio e metaplasia epidermóide. Como complemento destas observações, os marcadores de lesão tumoral manifestaram um aumento tendencial da concentração sérica de TGF-β e de TNF-α e os valores dos marcadores inflamatórios apresentaram um aumento bastante significativo dos níveis de PCR e de IL-6 no soro. Assim, com os resultados obtidos a fim de caracterizar e validar o modelo de carcinoma da bexiga induzido por BBN em ratos Wistar é possível afirmar que o modelo experimental escolhido é válido e adequado.
Relativamente à segunda fase dos objectivos deste estudo, os resultados mostraram que as doses de 3 mg e de 30 mg, reduziram o desenvolvimento neoplásico, embora a dose mais baixa se tenha mostrado mais eficaz, uma vez que se verificou uma inibição do crescimento tumoral para 12,5% dos ratos, o que significa que apenas um rato apresentou os 2 únicos tumores registados com um volume tumoral total de 4,7 mm3. O tipo de lesões reveladas pela avaliação histomorfológica foram notavelmente mais moderadas e em menor número, especialmente no grupo EST (3 mg) + BBN. Relativamente aos marcadores tumorais e inflamatórios verificou-se uma diminuição bastante significativa das concentrações de TNF-α, de IL-6 e de PCR.
A associação da atorvastatina ao celecoxibe não potenciou o efeito benéfico que cada um dos fármacos demonstra isoladamente, uma vez que se verificou em 50 % dos ratos a presença de 3 tumores e um volume tumoral total de 27,6 mm3. Os resultados sugerem que parecem existir mecanismos exercidos por parte dos dois fármacos que se sobrepõem negativamente.
Concluindo, este estudo confirma a eficácia do protocolo no desenvolvimento tumoral, revelando lesões pré-neoplásicas e neoplásicas leves a moderadas, não invasivas. Por outro lado, a atorvastatina é um fármaco eficaz na prevenção do carcinoma da bexiga, se os seus efeitos anti-proliferativos, antioxidantes e anti-inflamatórios aqui evidenciados, bem como as questões levantadas, forem confirmados em estudos posteriores do trabalho.