Autor(es):
Machado, Patrícia
Data: 2013
Identificador Persistente: http://hdl.handle.net/10362/11346
Origem: Repositório Institucional da UNL
Assunto(s): Malária, polimorfismos genéticos humanos do glóbulo
Descrição
A malária é reconhecida como uma das principais forças selectivas a actuar na história
recente no genoma humano. Inúmeros polimorfismos genéticos têm sido descritos como
protectores contra a gravidade da malária, como o alelo HbS (designado de traço
falciforme) e o alelo G6PD A- (associado à deficiência de G6PD). Mais recentemente,
também a deficiência de PK foi associada com a protecção contra a malária. Evidências
desta associação foram obtidas em estudos com modelos de roedor e estudos in vitro
utilizando GV humanos deficientes em PK. Até à data, não foram obtidos dados em
populações humanas que revelem esta associação: ainda não foi identificada uma
variante de PK com uma prevalência elevada em regiões endémicas de malária e não
foram identificadas marcas de selecção na região do gene que codifica para a PK (gene
PKLR). Além disso, os mecanismos subjacentes à protecção contra a malária por
deficiências enzimáticas dos GV não estão bem esclarecidos.
Assim, os objectivos do presente estudo foram: investigar os polimorfismos genéticos
humanos com associação com a malária em Cabo Verde; pesquisar marcas de selecção
da malária na região do gene PKLR em populações Africanas; determinar a frequência
da deficiência em PK e identificar uma eventual variante da enzima que possa estar sob
selecção positiva em regiões endémicas de malária; avaliar o efeito das duas
deficiências enzimáticas (PK e G6PD) na invasão e maturação do parasita em culturas
in vitro de Plasmodium usando GV normais e deficientes; e analisar o perfil proteómico
de GV infectados e não infectados, normais e com deficiência (em PK e G6PD), bem
como de parasitas isolados de GV tanto deficientes como normais.
Em Cabo Verde (área epidémica), não foram identificadas marcas de selecção pela
malária, através da análise dos vários polimorfismos. No entanto, quando a análise foi
realizada em dois países endémicos (Angola e Moçambique), foram detectadas várias
marcas de selecção: a genotipagem de microssatélites (STRs) e polimorfismos de base
única (SNPs) localizados na vizinhança do gene PKLR revelou uma diferenciação
consideravelmente maior entre as populações Africana e Europeia (Portuguesa), do que
a diferenciação determinada aquando da utilização de marcadores genéticos neutros.
Além disso, uma região genómica de maior amplitude apresentou um Desequilíbrio de
Ligação (LD) significativo no grupo de malária não grave (e não no grupo de malária
grave), sugerindo que a malária poderá estar a exercer pressão selectiva sobre a região
do genoma humano que envolve o gene PKLR.
No estudo que incidiu na determinação da prevalência da deficiência de PK no
continente Africano (realizado em Moçambique), esta revelou-se elevada - 4,1% - sendo
o valor mais elevado descrito até ao momento a nível mundial para esta enzimopatia. Na
pesquisa de mutações que pudessem estar na causa deste fenótipo (baixa actividade de
PK), foi identificada uma mutação não sinónima 829G>A (277Glu>Lys),
significativamente associada à baixa actividade enzimática. Esta mutação foi também
identificada em Angola, São Tomé e Príncipe e Guiné Equatorial, onde a frequência de
portadores heterozigóticos foi entre 2,6 e 6,7% (valores que se encontram entre os mais
elevados descritos globalmente para mutações associadas à deficiência em PK). Não foi
possível concluir acerca da associação entre a deficiência de PK e o grau de severidade
da malária e da associação entre o alelo 829A e a mesma, devido ao baixo número de
amostras.
Os resultados dos ensaios de invasão/maturação do parasita sugeriram que, nos GV com
deficiência de PK ou G6PD, a invasão (onde está envolvida a membrana do GV
hospedeiro e o complexo apical do parasita) é mais relevante para a eventual protecção
contra a malária do que a maturação. Os resultados da análise proteómica revelaram
respostas diferentes por parte do parasita nas duas condições de crescimento (GV com
deficiência de PK e GV com deficiência de G6PD). Esta resposta parece ser
proporcional à gravidade da deficiência enzimática. Nos parasitas que cresceram em GV
deficientes em G6PD (provenientes de um indivíduo assintomático), a principal
alteração observada (relativamente às condições normais) foi o aumento do número de
proteínas de choque térmico e chaperones, mostrando que os parasitas responderam às
condições de stress oxidativo, aumentando a expressão de moléculas de protecção. Nos
parasitas que cresceram em condições de deficit de PK (GV de indivíduo com crises
hemolíticas regulares, dependente de transfusões sanguíneas), houve alteração da
expressão de um maior número de proteínas (relativamente ao observado em condições
normais), em que a maioria apresentou uma repressão da expressão. Os processos
biológicos mais representados nesta resposta do parasita foram a digestão da
hemoglobina e a troca de proteínas entre hospedeiro e parasita/remodelação da
superfície do GV. Além disso, uma elevada percentagem destas proteínas com
expressão alterada está relacionada com as fendas de Maurer, que desempenham um
papel importante na patologia da infecção malárica. É colocada a hipótese de que a
protecção contra a malária em GV deficientes em PK está relacionada com o processo
de remodelação da membrana dos GV pelo parasita, o que pode condicionar a invasão
por novos parasitas e a própria virulência da malária. Os resultados da análise do
proteoma dos GV contribuirão para confirmar esta hipótese.