Author(s):
Sousa, Ana Catarina Almeida
Date: 2009
Persistent ID: http://hdl.handle.net/10773/980
Origin: RIA - Repositório Institucional da Universidade de Aveiro
Subject(s): Biologia; Disruptores endócrinos; Poluição da água; Compostos organometálicos; Ecossistemas aquáticos
Description
Os compostos orgânicos de estanho (OTs), de entre os quais se destaca o
tributilestanho (TBT), encontram-se amplamente dispersos no meio aquático
devido à sua intensa utilização como agente biocida em tintas antivegetativas.
Estudos anteriores sobre a poluição por organoestanhos em Portugal
demonstraram que estes compostos se encontram presentes não só na linha
de costa mas também em zonas da plataforma, sendo as zonas portuárias
(onde se incluem portos comerciais, portos de pesca, marinas e estaleiros
navais) os principais focos de poluição. A presente tese tem como objectivo
investigar o estado actual da poluição por organoestanhos na costa
Portuguesa confirmando se os padrões espaciais acima descritos se mantêm,
por meio da quantificação de diversos OTs, nomeadamente, butilestanhos,
fenilestanhos e octilestanhos. Assim, os níveis destes compostos foram
avaliados em populações de Mytilus galloprovincialis e Nassarius reticulatus ao
longo da costa continental Portuguesa, com particular incidência na Ria de
Aveiro onde se quantificaram os níveis de OTs em mexilhões, gastrópodes e
sedimentos, recolhidos numa malha de amostragem mais densa.
A distribuição espacial dos organoestanhos foi determinada utilizando o
bivalve M. galloprovincialis como espécie bioindicadora. Os níveis totais de
estanho (SnT) foram quantificados nos tecidos do mexilhão e relacionados com
os níveis totais de OTs nos mesmos tecidos, incluindo monobutilestanho
(MBT), dibutilestanho (DBT), tributilestanho (TBT), difenilestanho (DPhT),
trifenilestanho (TPhT), monoctilestanho (MOcT) e dioctilestanho (DOct). A
contribuição dos OTs para os valores de estanho total (SnT) foi superior nas
estações de amostragem localizadas no interior de portos onde atingiram
proporções próximas dos 50%. De entre estes, os butilestanhos
(BuTs=MBT+DBT+TBT) contribuíram em média com 98.6% para o valor total
de OTs, tendo sido detectados em todas as amostras analisadas. Os valores
mais elevados foram registados no interior ou na proximidade de portos,
corroborando a ideia anterior de que constituem importantes focos de poluição.
A variação das concentrações de TBT no mexilhão situou-se entre os 0,9 e
720 ng Sn.g-1 de peso seco (ps). Estes valores são, em 69% das estações
amostradas, superiores ao valor do proposto pela OSPAR (4,9 ng TBT-Sn.g-1
ps) para tecidos de mexilhão o que sugere a forte probabilidade de ocorrência
de efeitos adversos sobre os ecossistemas.
Os níveis de OTs foram também quantificados em tecidos de N. reticulatus
recolhidos ao longo da costa em 2008 Os butilestanhos representaram a maioria dos compostos organoestânicos
quantificados e os níveis mais elevados foram novamente detectados no
interior ou nas imediações de portos. Os valores de TBT nos tecidos deste
gastrópode variaram entre 3,5 e 380 ng Sn.g-1 ps, representando uma
percentagem média de 50,4% do total de butilestanhos. Simultaneamente, os
níveis de imposex foram também avaliados e relacionados com os valores
deste composto nos tecidos. As distribuições espaciais de imposex e de TBT
seguiram a mesma tendência, sendo que em todos os locais amostrados
foram encontradas fêmeas afectadas. Os valores de VDSI (índice da
sequência do vaso deferente) variaram entre 0,2 e 4,4. Em 91% dos locais os
valores de VDSI foram superiores a 0,3 (definido pela OSPAR como o valor de
VDSI em N. reticulatus acima do qual o objectivo de qualidade ecológica não é
atingido), confirmando a suspeição da existência de efeitos adversos nos
ecossistemas.
Em todos os compartimentos analisados na Ria de Aveiro, os butilestanhos
foram os principais contribuintes para estanho orgânico total. A utilização do
imposex em N. reticulatus como biomarcador da poluição por TBT permitiu
determinar um gradiente decrescente desde o interior da Ria (onde se situa a
zona portuária) até zonas costeiras adjacentes. O mesmo gradiente foi
observado relativamente às concentrações de TBT em tecidos de mexilhão.
Para os sedimentos, as concentrações de TBT são bastante variáveis com
valores entre 2,7 e 1780 ng Sn.g-1 ps encontrando-se significativamente
correlacionadas com o conteúdo em matéria orgânica da amostra. Em todas
as amostras analisadas os níveis de TBT são elevados e superiores ao valor
inferior (provisório) de EAC (critério de avaliação ambiental) proposto pela
OSPAR (0,004 ng TBT-Sn.g-1 ps).
A análise da evolução temporal da poluição por TBT ao longo da costa foi
concretizada por meio da comparação entre níveis de organoestanhos em N.
reticulatus em amostras de 2008 e 2003 e também através da comparação dos
níveis de imposex registados em campanhas realizadas naqueles dois anos.
Os resultados obtidos indicam a ocorrência de reduções significativas nas
concentrações de TBT, DBT e MBT, assim como uma diminuição significativa
nos valores de VDSI entre 2003 e 2008. Os resultados obtidos sugerem que a
redução verificada se deve à implementação do Regulamento 782/2003 da
Comunidade Europeia, que tem por objectivo a erradicação das descargas e
emissões de TBT para o ambiente a partir dos sistemas antivegetativos A diminuição da poluição por TBT ao longo dos últimos anos foi
acompanhada por um aumento no número de fêmeas com um vaso deferente,
mas sem pénis (imposex do tipo b): 3,5% em 2000, 11% em 2003 e 24% em
2008. Um aumento no número de locais onde se registou o fenómeno também
é evidente: dois em 2000, sete em 2003 e treze em 2008. A proporção de
fêmeas b no estádio 1 de VDS apresentou igual tendência com aumento de
38% em 2000 para 65% em 2008. O aumento no número de fêmeas com esta
via parece estar associado à diminuição da poluição por TBT. Face à esperada
diminuição da presença do composto no meio ambiente, devido à sua
proibição, o aumento de fêmeas com imposex do tipo b é previsível.
A ocorrência de compostos xenoestrogénicos no ambiente aquático foi
também estudada e os níveis de estrona (E1), 17α-e 17β-estradiol (E2), 17α-
etinilestradiol (EE2), bisfenol-A (BPA) e nonilfenol (NP) foram quantificados em
efluentes de estações de tratamento de águas residuais (ETARs) localizadas
na região de Aveiro, bem como no efluente final descarregado no Oceano
Atlântico, através de um emissário submarino (S. Jacinto), sendo amostras
recolhidas na entrada da Ria e ao largo usadas como referência. Os níveis de
hormonas esteróides e compostos fenólicos registados nos locais de
referência são baixos. De entre as hormonas esteróides os níveis mais
elevados foram registados para a estrona, com valores máximos de 85.3 ng.L-
1
. Os níveis mais elevados de compostos fenólicos foram detectados em
efluentes industriais (máximos de NP e BPA de 2410 ng.L-1 e 897 ng.L-1
,
respectivamente). Os resultados obtidos sugerem que os níveis de compostos
xenoestrogénicos em locais de referência são baixos e não parecerem
acarretar risco ecológico, no entanto o mesmo não será verdadeiro para as
imediações do emissário de S. Jacinto que liberta efluentes com
concentrações muito elevadas de E1, NP e BPA.
Foram realizadas experiências laboratoriais de forma a elucidar o papel do
receptor retinóico X (RXR) no mecanismo de indução de imposex
(presentemente o mecanismo que demonstra maior promessa na explicação
do desencadear deste fenómeno). Fêmeas de Nucella lapillus e N. reticulatus
foram injectadas com TBT em etanol ou com ácido 9-cis- retinóico em FBS
(soro fetal bovino) tendo-se procedido à sua observação nos 30 dias
subsequentes. Tanto o TBT como o 9CRA induziram o desenvolvimento de
imposex em N. lapillus e N. reticulatus. Aumentos significativos nos valores de
VDSI e FPL entre o controlo de etanol e o tratamento de TBT e o controlo de
FBS e o tratamento de 9CRA foram registados. Os resultados obtidos
fornecem novas provas do envolvimento da via de sinalização associada ao
RXR no desenvolvimento de imposex em ambas as espécies. Doutoramento em Biologia