Autor(es):
Coelho, Elisabete Verde Martins
Data: 2010
Identificador Persistente: http://hdl.handle.net/10773/3883
Origem: RIA - Repositório Institucional da Universidade de Aveiro
Assunto(s): Química; Vinho - Processamento - Bairrada (Portugal); Enologia; Compostos voláteis orgânicos; Polissacarídeos
Descrição
Os espumantes produzidos segundo o método Champanhês são obtidos
após uma segunda fermentação em garrafa. Quando o vinho é vertido no
copo, o CO2 produzido é libertado, sendo a espuma formada o resultado da
sua interacção com os constituintes do vinho. A quantidade e a estabilidade da
espuma do vinho espumante estão relacionadas com a sua composição
química. Para além da espuma, o aroma é também um parâmetro importante
de qualidade na apreciação geral de um vinho espumante. O aroma de um
vinho espumante provém do contributo das uvas assim como do processo
fermentativo. Dependendo do estado de maturação da uva, o contributo dos
compostos voláteis para o aroma é diferente. Em virtude da vindima para os
vinhos espumantes ser realizada antes da vindima para os vinhos maduros,
dependendo da variedade, as uvas poderão não ser colhidas na expressão
máxima do seu aroma, podendo verificar-se uma perda significativa do seu
potencial varietal volátil.
O objectivo desta dissertação é relacionar o aroma e a espuma dos vinhos
espumantes com o potencial enológico das uvas e dos vinhos. Para isso, foi
estudada a composição volátil das duas castas principais da Bairrada, a casta
branca Fernão-Pires (FP) e a casta tinta Baga (BG), sendo estas duas das
castas usadas para a produção de espumante.
Para estudar a composição volátil das uvas durante a maturação, com vista
a avaliar este efeito na expressão máxima de compostos voláteis, foi
optimizada para este propósito a metodologia de microextracção em fase
sólida em espaço de cabeça (HS-SPME). As uvas foram colhidas
semanalmente, em duas vinhas, do pintor à pós-maturidade sendo
posteriormente analisadas pela metodologia de HS-SPME seguida de
cromatografia de gás acoplada à espectrometria de massa com quadrupolo
(GC–qMS). No caso das uvas BG, observou-se um aumento acentuado na
expressão máxima de compostos voláteis próximo da maturidade da uva
determinada pelo teor em açúcar e acidez titulável, mantendo-se constante
durante a pós-maturidade. Na determinação do perfil volátil das uvas ao longo
da maturação foram identificados 66 compostos varietais nas uvas
provenientes de uma vinha (Pedralvites) e 45 da outra vinha (Colégio). Em
ambas as vinhas foram identificados 23 sesquiterpenóides, 13
monoterpenóides, 6 norisoprenóides, 2 álcoois aromáticos e 1 diterpenóide. Os
sesquiterpenóides, devido à sua abundância em número e em área
cromatográfica, podem ser considerados marcadores da casta BG. As uvas FP
apresentaram um comportamento diferente do das uvas BG, sendo a
expressão máxima de compostos voláteis expressa durante um curto período
de tempo (1 semana), que coincide com a maturidade da uva. Depois de
atingido este pico, observa-se uma diminuição drástica logo na semana
seguinte. Este comportamento foi observado em ambas as vinhas, onde foram
identificados 20 compostos voláteis varietais e 5 pré-fermentativos (álcoois e
aldeídos em C6). Estes resultados mostram que quando estas castas são
colhidas precocemente (1 semana antes da maturidade) para a produção de espumante, é observada uma redução significativa do potencial volátil que é
expresso na maturidade.
Para a análise da composição volátil dos vinhos espumantes foi optimizada
uma metodologia de microextracção que permite usar uma maior quantidade
de fase estacionária, a extracção sorptiva em barra de agitação (SBSE). O
método foi optimizado usando 10 padrões de compostos voláteis
representativos das principais famílias químicas presentes no vinho,
nomeadamente, ésteres, monoterpenóides, sesquiterpenóides,
norisoprenóides em C13 e álcoois. O método proposto apresenta uma boa
linearidade (r2 > 0,982) e a reprodutibilidade varia entre 8,9 e 17,8%. Os limites
de detecção para a maioria dos compostos é bastante baixo, entre 0,05 e 9,09
μg L-1. O método foi aplicado para a análise da composição volátil dos vinhos
espumantes. Dentro dos vinhos espumantes analisados, foi estudada a
influência da casta, do tipo de solo e do estado de maturação das uvas na sua
composição volátil. A casta FP pode dar origem a vinhos com maior potencial
de aroma do que a casta BG. Relativamente à avaliação dos diferentes
estados de maturação, verificou-se que as uvas da maturidade e as da
colheita tardia (uma semana depois da maturidade) deram origem aos vinhos
com maior quantidade de compostos voláteis. Para os três tipos de solo
estudados (arenoso, argiloso e argilo-calcário), o vinho obtido a partir de uvas
colhidas no solo argilo-calcário foi o que mostrou a maior concentração de
compostos voláteis varietais. A espuma destes vinhos espumantes foi também
avaliada quanto à sua quantidade máxima (HM) e tempo de estabilidade (TS).
O vinho espumante que apresentou um maior TS foi o vinho produzido a partir
da casta FP proveniente de uma colheita tardia e solo argiloso. Os vinhos
provenientes dos solos arenosos e argilo-calcários são os que apresentaram
valores mais baixos de TS.
Com vista a avaliar quais os conjuntos de moléculas do vinho que estão
relacionados com as propriedades da espuma e possíveis sinergismos entre
eles, para cada vinho espumante foi separada a fracção hidrofóbica de baixo
peso molecular (MeLMW), a fracção de elevado peso molecular (HMW) e duas
fracções de peso molecular intermédio (AqIMW e MeIMW). As propriedades
da espuma dos vinhos modelo, reconstituídos com estas fracções e suas
misturas, foram avaliadas. A combinação da fracção HMW com a MeLMW
aumentou o TS 2,7 vezes quando comparado com o observado para a fracção
HMW isoladamente, produzindo um efeito sinergético. Este aumento do TS
ainda foi maior quando se combinou a fracção HMW com as subfracções
obtidas a partir da fracção MeLMW, principalmente para as fracções menos
apolares. A subfracção hidrofóbica menos apolar foi caracterizada por
espectrometria de massa de ionização por electrospray (ESI-MS/MS) tendo
sido identificada uma série de oligómeros de polietileno glicol e um potencial
composto tensioactivo, o 8-hidroxi-tridecanoato de dietilenoglicolglicerilacetato.
A fracção MeLMW foi também isolada da espuma do vinho espumante e
caracterizada por ESI-MS/MS, permitindo identificar vários compostos
potenciais tensioactivos, nomeadamente, dois monoacilgliceróis e quatro
derivados de ácidos gordos com gliceriletilenoglicol. Estes resultados
confirmam que estes compostos relacionados com a estabilidade da espuma
existem em maior número na espuma do que no vinho.
O vinho foi ainda fraccionado em 12 grupos de moléculas: 3 fracções de
manoproteínas, 3 de arabinogalactanas, 3 de misturas de polissacarídeos,
proteínas e compostos fenólicos e 3 fracções de peso molecular intermédio e
baixo, compostas por uma mistura de hidratos de carbono, peptídeos e
compostos fenólicos. Foram usados vinhos modelo reconstituídos com cada
uma das fracções isoladas na concentração em que estas se encontraram no
vinho. Foram também efectuados ensaios com soluções modelo dez vezes
mais concentradas e com misturas de algumas das fracções. Todas as
soluções formadas foram avaliadas quanto às propriedades da espuma. O
aumento da concentração para dez vezes faz com que a solução contendo a
fracção rica em manoproteínas (MP1) aumente para mais do dobro a HM e 7,4
vezes mais o TS. A combinação entre a fracção MP1 e a MeLMW produziu um
aumento significativo nos parâmetros de HM e TS.
A combinação da fracção HMW (manoproteínas com baixo teor em
proteína) com a MeLMW (tensioactivos derivados de ácidos gordos com
gliceriletilenoglicol) contém os compostos chave de um vinho espumante para
se obter uma maior quantidade e estabilidade da espuma. Sparkling wines produced according to the Champenoise methodology are
obtained by a second fermentation inside the bottle. When poured from the
bottle into a glass, the CO2 produced is released, and consistent foam is
formed as a result of its interaction with wine constituents. Foamability and
foam stability are related to the chemical composition of sparkling wines.
Additionally to foam, the aroma are an important quality parameter of a
sparkling wine. The sparkling wine aroma is determined by the grapes
contribution as well as from the fermentative process. Depending on the grape
maturity state the contribution of volatile compounds to the wine aroma can
change. Grapes for the sparkling wine production are usually harvested earlier
than those for table wine purposes, depending on variety. A non coincident
harvest with the maximum grape aroma expression may lead to a significant
loss of the varietal volatile potential.
The aim of this thesis was to relate the aroma and foaming of sparkling
wines to the oenological potential of grapes and wines. The two main varieties
of Bairrada Appellation, the Fernão-Pires (FP) white grapes and the Baga (BG)
red grapes were used for the production of sparkling wine.
The evaluation of grapes volatile composition was made in order to study
the effect of ripening on the maximum volatile compounds expression. For this
purpose, the methodology of head space solid phase micro extraction (HSSPME)
was optimized. The volatile composition of grape from two vineyards
was weekly harvested from véraison to post-maturity and then analysed by HSSPME
methodology followed by gas chromatography coupled to quadrupole
mass spectrometry (GC-qMS). For BG, the maximum volatile expression was
observed at the grape maturity established according to sugar and titratable
acidity contents, and remained constant until post-maturity. In the volatile
profile were identified 66 varietal compounds from grapes grown in one
vineyard (Pedralvites) and 45 in the other vineyard (Colégio). In both vineyards
were identified 23 sesquiterpenoids, 13 monoterpenoids, 6 norisoprenoids, 2
aromatic alcohols, and 1 diterpenoid. From these, due to the abundance in
number and chromatographic area of sesquiterpenoids, they can be considered
varietal markers of Baga variety. The FP showed a different behaviour of BG,
as the maximum volatile expression occurs only in a very short period (one
week) that is coincident with grape maturity. After that, it sharply decreases in
the following week. This behaviour was observed in both vineyards, where 20
variety- and 5 pre-fermentative (C6 alcohols and aldehydes) volatile compounds
were identified.
These results showed that if these two varieties are harvested earlier (one
week before maturity), as for sparkling wine production, their potential aroma
compounds decrease significantly compared to the amount that can be found
at maturity.
For the sparkling wines volatile characterisation a methodology based on
microextraction using a higher amount of stationary phase, the stir bar sorptive
extraction (SBSE) was developed.The optimisation was carried out by using 10 standards representative of the
main chemical families of wine, namely esters, monoterpenoids,
sesquiterpenoids, C13 norisoprenoids and alcohols. The methodology proposed
had a good linearity (r2 >0.982) and reproducibility, between 8.9 and 17.8%.
Low detection limits were achieved for the majority of compounds, between
0.05 and 9.09 μg L-1. The methodology was applied for the analysis of the
sparkling wine volatile composition, studying the influence of grape variety, soil
type, and ripening stage. FP variety can provide sparkling wines with higher
aroma potential than BG variety. In what concerns the ripening stage, the
grapes from maturity and late maturity states (1 week after maturity) provided
wines with the highest content of volatile compounds, including the varietal
ones. For the three types of soils (sandy, clayey, and clay-calcareous), the
wines produced from the clay-calcareous soil presented the highest content of
varietal volatile compounds. Concerning the foaming properties, the sparkling
wine produced with grapes FP from late maturity state and clayey soil presents
the highest foam stability (TS). The sparkling wines from sandy and claycalcareous
soils presented the lowest TS values.
In order to evaluate the wine molecular fractions that were related to foam
properties and possible synergistic effects between them, each sparkling wine
was fractioned into four fractions: one fraction of hydrophobic low molecular
weight (MeLMW) material, one fraction of high molecular weight (HMW)
material, and two fractions of intermediate molecular weight material (AqIMW
and MeIMW). The foam properties of reconstituted wine model solutions with
these fractions and its mixtures were evaluated. The combination between
HMW and MeLMW showed an increase in TS of 2.7 fold when compared with
the values observed for the HMW fraction alone, allowing to state a synergistic
effect between them. The TS increase was even larger when HMW was
combined with the less hydrophobic subfractions obtained from MeLMW. The
less hydrophobic subfraction was characterized by electrospray tandem mass
spectrometry (ESI-MS/MS) allowing to assign the presence of a series of
polyethylene glycol oligomers and diethyleneglycol 8-hydroxy-tridecanoate
glycerylacetate, a potential tensioactive compound. In order to confirm the
occurrence of these compounds as components of sparkling wine foam, a
MeLMW fraction was obtained from the foam and was structurally analysed by
ESI-MS/MS. Several possible tensioactive compounds, namely, two
monoacylglicerols as well as four glycerylethyleneglycol fatty acid derivatives
were identified as foam components. One of these compounds has also been
identified as foam promoter and stabilizer of wine model solutions.
The wine was also fractionated in 12 groups of molecules: 3 fractions were
composed by mannoproteins, 3 fractions were arabinogalactans, 3 fractions
were a mixture of polysaccharides, proteins, and phenolic compounds and 3
fractions were intermediate and low molecular weight compounds composed by
a mixture of carbohydrates, peptides, and phenolic compounds. The foam
properties of reconstituted wine model solutions with these fractions at the
concentration that was found in wine were evaluated. It was also performed
wine model solutions at ten folds the wine concentration of 11 fractions and
mixtures with selected fractions. The solution containing the fraction rich in
mannoproteins (MP1) at ten folds its wine concentration showed an increase of
more than two folds the maximum foamability (HM) and 7.4 fold in TS. The
combination of MP1 fraction with MeLMW increases significantly the foam
parameters HM and TS.
In conclusion, the combination of fraction HMW (mannoproteins with low
protein content) with MeLMW (tensioactives of glycerylethyleneglycol fatty acid
derivatives) contains the key compounds to promote sparkling wines foam
volume and foam stability. Doutoramento em Química POCTI FCT/FSE