Autor(es):
Mieiro, Cláudia Leopoldina de Brito e Veiga Rodrigues
Data: 2011
Identificador Persistente: http://hdl.handle.net/10773/3735
Origem: RIA - Repositório Institucional da Universidade de Aveiro
Assunto(s): Química; Mercúrio (Metal): Toxicidade; Contaminação da água; Ecotoxicologia; Ecossistemas aquáticos: Ria de Aveiro; Indicadores biológicos: Peixes; Stresse oxidativo
Descrição
O principal objectivo desta dissertação foi estudar a acumulação de mercúrio
em vários tecidos de peixes marinhos, a sua relação com factores biológicos e
as respectivas respostas bioquímicas. O trabalho realizado permitiu obter
novos conhecimentos sobre a acumulação de mercúrio em peixes,
possibilitando avaliar a influência da biodisponibilidade do elemento e as suas
possíveis implicações no ambiente. O trabalho foi desenvolvido na Ria de
Aveiro (Portugal), uma zona costeira onde existe um gradiente ambiental de
mercúrio, o que oferece a oportunidade de estudar a sua acumulação e os
seus efeitos tóxicos em condições realísticas. As amostragens foram
efectuadas em dois locais considerados críticos em termos de contaminação
por mercúrio – Largo do Laranjo (L1 e L2) e num local afastado da principal
fonte de poluição, usado como termo de comparação (Referência; R); L1 e L2
corresponderam a locais moderadamente e altamente contaminados,
respectivamente. Foram escolhidos juvenis de duas espécies ecologicamente
diferentes e representativas da comunidade piscícola local, a tainha garrento
(Liza aurata) e o robalo (Dicentrarchus labrax). Em cada local foram recolhidas
amostras de água e de sedimento para determinação de mercúrio. Foram
quantificadas as concentrações de mercúrio total (T-Hg) e orgânico (O-Hg) em
vários tecidos dos peixes, escolhidos tendo em conta a sua função
relativamente à toxicocinética e toxicodinâmica de metais. As respostas
antioxidantes (Catalase- CAT, glutationa peroxidase- GPx, glutationa
reductase- GR, glutationa –S-transferase- GST e conteúdo em glutationa total-
GSHt), o dano peroxidativo (LPO) e o conteúdo em metalotioninas (MTs) foram
também avaliados.
A acumulação de T-Hg foi semelhante para as duas espécies de peixes
estudadas, embora D. labrax tenha apresentado concentrações
tendencialmente maiores. Ambas as espécies demonstraram capacidade de
reflectir o grau de contaminação ambiental existente, indicando claramente que
a acumulação depende da concentração ambiental. A acumulação revelou-se
específica de cada tecido. O padrão da acumulação em L. aurata foi rim >
fígado > músculo > cérebro > guelras > sangue e em D. labrax foi fígado > rim
> músculo > cérebro ≈ guelras > sangue. Relativamente à acumulação de OHg,
verificou-se que D. labrax exibiu concentrações mais elevadas que L.
aurata. Todos os tecidos foram capazes de reflectir diferenças entre R e L2. Os
níveis de O-Hg no fígado, músculo e nos conteúdos intestinais foram diferentes
entre espécies, sendo mais elevados para D. labrax. As guelras e o intestino
foram os tecidos onde se obtiveram os valores mais baixos de O-Hg e
observaram-se valores idênticos para as duas espécies. Com excepção das guelras, as concentrações de O-Hg variaram em função
do valor observado nos conteúdos intestinais, indicando que a alimentação é
a via dominante da acumulação. As concentrações de O-Hg nos conteúdos
intestinais revelaram ser uma informação relevante para prever a
acumulação de O-Hg nos tecidos, pois verificou-se uma razão praticamente
constante entre o teor de mercúrio no fígado, no músculo e nos conteúdos
intestinais. A percentagem de O-Hg no músculo e no fígado variou de
acordo com o grau de contaminação ambiental e com o tipo de assimilação
preferencial do elemento (alimentação vs. água), sugerindo que o fígado
exerce um papel protector em relação à acumulação de mercúrio nos outros
órgãos. Ambas as espécies de peixes demonstraram ser boas sentinelas da
contaminação ambiental com mercúrio (T-Hg e O-Hg), sendo o cérebro e o
músculo os tecidos que melhor reflectiram o grau de acumulação com o
elemento.
A análise conjunta dos dados de bioacumulação e de respostas ao stress
oxidativo permitiram estabelecer uma relação entre as concentrações de
mercúrio nas guelras, fígado, rim e cérebro e a sua toxicidade. As respostas
do cérebro aos efeitos tóxicos do mercúrio revelaram ser específicas de
cada espécie. Enquanto que para o cérebro de L. aurata se verificou um
decréscimo de todos os parâmetros antioxidantes estudados nos locais
contaminados, sem haver evidência de qualquer mecanismo compensatório,
no D. labrax observaram-se respostas ambivalentes, que indicam por um
lado a activação de mecanismos adaptativos e, por outro, o decréscimo das
respostas antioxidantes, ou seja, sinais de toxicidade. Embora em ambas as
espécies de peixe fosse evidente uma condição pró-oxidante, o cérebro
parece possuir mecanismos compensatórios eficientes, uma vez que não se
verificou peroxidação lipídica. As respostas antioxidantes do cérebro de D.
labrax foram comparadas em diferentes períodos do ano - quente vs. frio. O
período quente mostrou ser mais crítico, uma vez que no período frio não se
verificaram diferenças nas respostas entre locais, ou seja, a capacidade
antioxidante do cérebro parece ser influenciada pelos factores ambientais.
As guelras revelaram susceptibilidade à contaminação por mercúrio, uma
vez que se verificou uma tendência para o decréscimo da actividade de CAT
em L2 e ausência de indução em L1. O fígado e o rim demonstraram
mecanismos adaptativos face ao grau de contaminação moderada (L1),
evidenciados pelo aumento de CAT. O rim também demonstrou
adaptabilidade face ao grau elevado de contaminação (L2), uma vez que se
verificou um aumento GST. Embora o grau de susceptibilidade tenha sido
diferente entre os órgãos, não se verificou peroxidação lipídica em nenhum.
A determinação do conteúdo em MTs em D. labrax e em L. aurata revelou
que este parâmetro depende não só da espécie, mas também do tecido em
causa. Assim, em D. labrax foi observado um decréscimo de MTs no
cérebro, bem como a incapacidade de síntese de MTs no sangue, guelras,
fígado, rim e músculo. Em L. aurata observou-se um aumento do conteúdo
em MTs no fígado e no músculo. Estes resultados indicam que a
aplicabilidade das MTs como biomarcador de exposição ao mercúrio parece
ser incerta, revelando limitações na capacidade de reflectir os níveis de
exposição ao metal e por consequência o grau de acumulação.
Este trabalho comprova a necessidade de se integrarem estudos de
bioacumulação com biomarcadores de efeitos, de modo a reduzir os riscos
de interpretações erróneas, uma vez que as respostas nem sempre ocorrem
para os níveis mais altos de contaminação ambiental com mercúrio. The main objective of this work was to study mercury accumulation in several
tissues of marine fish, their relationship with biological factors and respective
biochemical responses. This research brings a new viewpoint to the
understanding of mercury burdens, helping to predict mercury bioavailability
and its implications for ecosystem health. The work was carried out in the Ria
de Aveiro costal lagoon (Portugal), where a well-established mercury
environmental contamination gradient provides the opportunity to assess
mercury accumulation and its toxic effects under realistic conditions. Samples
were collected from two critical locations in terms of mercury occurrence –
Laranjo basin (L1, L2), and compared with a reference area (R); L1 and L2
represent a moderately and a highly contaminated scenario, respectively. In
order to fulfil the objective, juveniles of two representative and ecologically
different fish species of the Ria de Aveiro, the golden grey mullet (Liza aurata)
and the European sea bass (Dicentrarchus labrax), were chosen. At each
location water and sediments were collected for mercury determinations. Total
(T-Hg) and organic mercury (O-Hg) were determined in several tissues chosen
according to their function in the context of metal toxicokinetics and
toxicodynamics. Antioxidant responses (Catalase- CAT, glutathione
peroxidase- GPx, glutathione reductase- GR, glutathione –S-transferase- GST
and total glutathione content- GSHt), peroxidative damage (LPO) and
metallothioneins contents (MTs) were also assessed.
T-Hg accumulation patterns were similar between the two species, although D.
labrax showed a tendency to accumulate higher amounts of mercury. Both
species were able to reflect the environmental contamination profile, clearly
indicating that accumulation was related with environmental contamination. THg
accumulation revealed to be dependent on the specific tissue. Accordingly,
the accumulation pattern in L. aurata was kidney > liver > muscle > brain > gills
> blood and for D. labrax was liver > kidney > muscle > brain ≈ gills > blood.
Regarding O-Hg accumulation, D. labrax revealed higher levels than L. aurata.
All tissues exhibited differences between R and L2. The O-Hg levels of liver,
muscle and intestinal contents were different between species, being higher for
D. labrax. Gills and intestine showed similar low values for both species. In
agreement, internal O-Hg concentrations, with the exception of gills, seemed to
vary as a function of the intestinal content, suggesting that diet was the
dominant pathway for metal uptake. Additionally, the O-Hg concentrations in
the intestinal contents seemed to be a promising tool in predicting the O-Hg
accumulation in the tissues, since a stable ratio was verified among liver,
muscle and intestine burden increments in mercury. The proportion of O-Hg in the muscle and liver can be dependent of the degree
of contamination and of the type of uptake (food vs. water) and suggested that
liver exerts a protective function relatively to mercury accumulation in other
organs. Both species demonstrated to be good bio-sentinels of the
environmental mercury contamination (T-Hg and O-Hg), being brain and
muscle the best tissues to reflect the mercury accumulation extent.
The combination of bioaccumulation data with the oxidative stress responses
allowed connecting the mercury concentration at gills, liver, kidney and brain
with its intrinsic toxicity. Brain vulnerability to mercury toxicity was specific for
each species. While L. aurataʼs brain showed an overall depletion of the
studied antioxidant defences at the mercury-contaminated areas, without
showing any compensatory mechanisms, D. labraxʼs brain had ambivalent
responses, revealing a balance between adaptive mechanisms and signs of
toxicity. Though a pro-oxidant status was evident, brain showed, in both
species, to possess compensatory mechanisms able to avoid lipid peroxidative
damage. D. labraxʼs brain antioxidant responses were compared in two
different year periods (warm vs. cold). The warm period revealed to be the most
critical since no inter-site changes on oxidative stress endpoints occurred
during the cold period. As a consequence, the brain antioxidant capacity
seemed to be influenced by the environmental factors. Gills showed
susceptibility to mercury toxicity by the tendency to deplete CAT activity at L2.
Liver and kidney showed an adaptive capacity to the intermediate degree of
contamination (L1) revealed by CAT increase. Kidney also revealed adaptability
at L2, depicted in a GST activity increase. Although some organs seemed more
susceptible than others, no peroxidative damage occurred in any of them.
The determination of MTs contents, both in D. labrax and L. aurata, indicated
that it depends not only on fish species, but also on the specific tissue. Thus, in
D. labrax was observed a depletion in MTs brain content, as well as the
incapacity to induce MTs synthesis in gills, blood, liver, kidney and muscle. L.
aurata showed the ability to increase MTs in liver and muscle. According to our
results, the aplicability of MTs content in fish tissues as biomarker of exposure
to mercury was uncertain, reporting limitations in reflecting the metal exposure
levels and the subsequent accumulation extent.
Overall, this research pointed out the need to combine the bioaccumulation and
effect biomarkers approaches in order to avoid risk of misinterpretations, since
responses did not always occur in the highest mercury concentrations. Doutoramento em Química FCT; FSE; QREN-POPH SFRH/ BD/28733/2006