Autor(es):
Coelho, Helena Isabel Soares Dinis
Data: 2010
Identificador Persistente: http://hdl.handle.net/10773/3632
Origem: RIA - Repositório Institucional da Universidade de Aveiro
Assunto(s): Biologia; Ecossistemas estuarinos; Microfitobentos; Gastrópodes; Migração vertical; Ácidos gordos; Clorofila
Descrição
Os estuários são ambientes complexos, biologicamente diversos e muito
importantes no que respeita à produtividade primária. As zonas intertidais
destes ecossistemas são ocupadas por organismos que possuem uma
elevada capacidade de sobrevivência e adaptação face às variadas e rápidas
alterações nos factores ambientais (tais como temperatura, salinidade,
conteúdo hídrico, etc.). As cadeias tróficas com origem no ecossistema
estuarino bentónico são essencialmente herbívoras, regulando o fluxo de
energia desde o fundo sedimentar e através do ecossistema. Nas áreas
estuarinas intertidais a produção primária é essencialmente suportada pelo
microfitobentos (MPB). Estas comunidades de microalgas bênticas constituem
uma importante fonte de matéria orgânica e são por si só a principal fonte
alimentar para as populações de Hydrobia. Neste contexto, a interacção MPB -
Hydrobia é um modelo-chave na investigação da cadeia trófica estuarina de
origem bentónica, actuando como um importante canal de transporte de
energia para os níveis tróficos superiores, especialmente se considerarmos
que Hydrobia é uma importante presa para peixes, aves e caranguejos.
O presente estudo tem por objectivos gerais: i) a investigação do controlo
ambiental (particularmente da luz e do teor em água do sedimento) e
endógeno na migração vertical do MPB e ii) a identificação e potencial
utilização de marcadores tróficos (pigmentos e ácidos gordos) úteis à
investigação da interacção MPB – Hydrobia em laboratório e em condições
naturais, considerando a existência de uma elevada plasticidade trófica por
parte da Hydrobia e a elevada densidade populacional que estes organismos
podem apresentar.
A primeira fase de investigação resultou na comparação do papel dos
estímulos ambientais e do controlo endógeno nos padrões de comportamento
migratório vertical do microfitobentos, demonstrando a existência de um
controlo essencialmente endógeno na formação e desintegração do biofilme
superficial. A regulação e manutenção da biomassa à superfície do sedimento
são claramente controladas pela variação dos factores ambientais, em
especial da luz, cuja presença é essencial à formação total do biofilme
microalgal à superfície do sedimento intertidal.
Foi proposta uma nova abordagem metodológica com vista à estimativa nãodestrutiva
do teor de água de sedimentos intertidais vasosos , possibilitando o
estudo da influência da acção do vento no conteúdo hídrico dos sedimentos e
o consequente impacto da dessecação na comunidade microfitobêntica.
Observou-se que a dessecação provoca efeitos limitantes não só na biomassa
superficial mas também na actividade fotossintética dos biofilmes
microfitobênticos, conduzindo à diminuição da produtividade primária.
No que respeita à dinâmica trófica da interacção MPB - Hydrobia foi
estabelecido o uso do pigmento feoforbide a, quantificado nas partículas fecais
da fauna, como marcador trófico que permite estimar a quantidade de
biomassa de microalgas (clorofila a) incorporada pelos organismos animais.Para tal foi investigada e comprovada a existência de uma relação significativa
entre a concentração de feopigmentos excretados e a concentração de
clorofila a ingerida. Estes estudos foram desenvolvidos numa primeira fase à
escala diária, considerando os efeitos dos ciclos sazonais, dia-noite e maré, e
depois com a validação em condições naturais, numa escala mensal. A taxa
de ingestão média de indivíduos de H. ulvae varia ao longo do dia, com o
máximo em torno dos períodos diurnos de maré baixa, o que pode estar
relacionado com a disponibilidade de MPB. As taxas de ingestão (TI) de H.
ulvae variam ainda em função da estação do ano (TI verão > TI primavera) e
em função da densidade de indivíduos (> densidade, < ingestão). Verificou-se
um efeito negativo na concentração de clorofila disponível após herbívoria
independentemente da densidade de indivíduos.
Finalmente, a comparação dos perfis de ácidos gordos de H. ulvae
provenientes de diferentes habitats com os perfis de potenciais fontes
alimentares permitiu demonstrar que os ácidos gordos são ferramentas úteis
na identificação do habitat ocupado por estes organismos. No entanto, apesar
da ocupação de diferentes habitats e da integração de múltiplas fontes de
produção primária na sua dieta foram sempre observados significativos níveis
de ácidos gordos específicos de microalgas (em particular diatomáceas),
reforçando o papel importante das comunidades de microalgas bênticas na
dieta das populações de H. ulvae. Estuaries are biologically diverse and form complex environments, which play
an important role on the global primary productivity of aquatic environments.
Intertidal areas of estuaries are inhabited by organisms with a strikingly
capability to survive and to be adapted to frequent and fast changes in several
environmental factors (such as temperature, salinity, water content, etc.).
Grazing food chains are common in intertidal mudflats regulating the flow of
nutrients and energy from the bottom throughout the estuarine ecosystem.
Within intertidal estuarine areas the primary production was predominantly
supported by microphytobenthos (MPB). These benthic microalgae
assemblages are an important source of organic matter and are a main food
source for Hydrobia populations. The MPB - Hydrobia interaction is a key
model for the estuarine grazing food chain, acting as a significantly channel of
energy to higher trophic levels, since Hydrobia is an important prey item for
fish, birds and crabs.
The present work addressed: i) the environmental (namely light and sediment
water content) and the endogenous control of the vertical migration by
microphytobenthos, and ii) the identification and the potential use of trophic
markers (pigments and fatty acids) to establish this relationship under
laboratory and natural conditions, considering that H. ulvae showed significant
trophic plasticity and that mud snails could reach extremely high densities.
The role of exogenous cues and endogenous control of the patterns of vertical
migratory behavior of intertidal MPB biofilms were compared, showing that the
formation and disintegration of the biofilm is endogenously-controlled. The
regulation and maintenance of the microalgal biomass at the sediment surface
is dependent on the variation of environmental factors, namely light, which is
essential for the full formation of the MPB biofilm.
A new methodological approach was proposed to estimate the water content of
muddy intertidal sediments, enabling the study of the influence of wind on the
hydric level of the sediment and the consequent impact of desiccation on the
MPB biomass. This investigation showed that desiccation might be responsible
to cause important limiting effects on biomass and photosynthetic activity of
intertidal MPB biofilms, reducing the primary productivity.
Regarding the trophic dynamics of the interaction MPB - Hydrobia, it was
established the use of the pigment pheophorbide a, present on Hydrobia ulvae
faecal pellets, as a trophic marker to estimate the amount of microalgal
biomass incorporated, as chlorophyll a, by benthic macrofauna. A significant
relationship between egested pheopigments and ingested chlorophyll a was
investigated and validated. These studies were firstly developed on a daily
scale, considering the effects of seasonal, tidal and day-night cycles, followed
by a validation under natural conditions, on a monthly scale. The mean
ingestion rate of H. ulvae individuals varied along the day, with the maximum
around the diurnal low tide periods, which may be related with MPB availability.
H. ulvae mean ingestion rate (IR) also varies seasonally (IR summer > IR
spring) and depending on mud snails density (> density, < ingestion). There
was a negative effect on chlorophyll concentration available after grazing,
independently of H. ulvae density.
Finally, the comparison of fatty acid profiles of mud snails from different
habitats with the ones from potential food sources allowed identifying fatty
acids as a useful tool to indicate H. ulvae habitat. Although the occupation of
different habitats and the integration of multiple primary food sources on mud
snails diet, significant inputs of fatty acids specific of microalgae (namely
diatoms) were always found, which reinforce the important role of MPB on the
diet of H. ulvae populations. Doutoramento em Biologia FCT; FSE SFRH/BD/23720/2005