Author(s):
Sumares, David Manuel Silva
Date: 2013
Persistent ID: http://hdl.handle.net/10773/10940
Origin: RIA - Repositório Institucional da Universidade de Aveiro
Subject(s): Engenharia do ambiente; Protecção ambiental - Programas comunitários; Política ambiental - Países da União Europeia; Biodiversidade - Ria de Aveiro (Portugal); Gestão de ecossistemas - Ria de Aveiro (Portugal)
Description
A Rede Natura 2000 (RN2000), uma rede de áreas consideradas chave para a
conservação da biodiversidade no território da União Europeia, tem-se
deparado com um difícil processo de implementação e operacionalização. Nos
casos em que o cumprimento dos objectivos da RN2000 implica um
reajustamento das políticas de uso do solo e de práticas sociais concretas, é
necessário envolver um conjunto muito alargado de actores e instituições a
várias escalas numa rede de processos colaborativos. Ao mesmo tempo, a
aplicação de procedimentos de avaliação ambiental é central para a aprovação
de certos projectos, programas ou planos em áreas RN2000. Quando toma a
forma de uma Avaliação de Impacte Ambiental ou da Avaliação Ambiental
Estratégica, a avaliação ambiental contém necessariamente uma componente
de participação pública, potencialmente importante para tornar a governação
ambiental mais inclusiva, isto é, mais participada e negociada com as
administrações e actores locais. No entanto, devido à pluralidade de relações
entre indivíduos, as respectivas comunidades e lugares específicos,
resultantes da interacção histórica entre estes, os ambientes acumulam
representações múltiplas que conduzem a diferentes interpretações acerca de
intervenções concretas sobre o território e do que a sustentabilidade deste
deve representar. As frequentes divergências nas referidas interpretações
podem levar a conflitos e controvérsias que, por sua vez, criam dificuldades
para mobilizar esforços colectivos, colocando, assim, poderosos obstáculos à
efectiva protecção da biodiversidade.
Nesta dissertação, a implementação da RN2000 no contexto da governação
ambiental da Ria de Aveiro um complexo estuário semi-natural dividido em
dez municípios e sob a tutela de várias entidades com responsabilidades
espaciais é abordada através de uma exploração discursiva de um acervo
composto por pareceres enviados no âmbito da consulta pública e institucional
dos procedimentos de avaliação ambiental de seis projectos com potenciais
implicações para a respectiva Zona de Protecção Especial. Através da
exploração das representações que diferentes actores sociais evidenciam
sobre ambientes específicos, das narrativas através das quais fazem sentido
do seu lugar e papel nos respectivos ambientes sociais e ecológicos, e ainda
das formas como a linguagem é estrategicamente utilizada em relação
dialéctica com as referidas representações, esta análise do discurso pretende
contribuir para melhorar a governação ambiental relativamente a aspectos
específicos da participação pública, resolução de conflitos e elaboração e
implementação de políticas no sentido de estas se tornarem mais inclusivas e
contextualizadas.
Nos pareceres submetidos, verificou-se que a problemática da hidrodinâmica
tem ocupado um lugar central, sendo crescentemente evidente um retrato da
situação actual em que a actividade portuária aparece como o principal
responsável por efeitos negativos sobre os ecossistemas locais e as
actividades socioeconómicas tradicionais como a salicultura e a agricultura nas
zonas ribeirinhas. Neste âmbito, determinados temas discursivos sugerem
fragilidades ao nível da governação deste território e poderão,
simultaneamente, significar dificuldades para os interesses da biodiversidade
local. Além dos interesses divergentes dos diferentes actores sociais, do
elevado grau de desconfiança nas instituições responsáveis e na validade dos
estudos que têm sido apresentados para justificar intervenções e da estória de
marginalização que vem sendo construída pelos actores que se percepcionam
como mais afectados pelo avanço da cunha salina aspectos que
potencialmente dificultam dinâmicas colaborativas , a convicção largamente
disseminada de que estes problemas ambientais são, através do
conhecimento científico e da capacidade física de intervenção,
compatibilizáveis num eventual equilíbrio, poderá constituir um entrave para a
procura de soluções efectivamente alternativas. Por outro lado, outros padrões
discursivos identificados poderão facilitar o cumprimento dos objectivos da
RN2000. Em particular, entre vários intervenientes, parece estar em expansão
o discurso de que o desenvolvimento dos municípios que envolvem a Ria de
Aveiro deve voltar a virar-se para esta, isto é, voltar às suas raízes
socioeconómicas ou a novas formas de explorar a Ria enquanto elemento
generativo das identidades colectivas locais. A sua significância afectiva,
simbólica, identitária e económica parecem ser as razões que mais peso têm
para os actores sociais da Ria quererem proteger os ecossistemas locais, e
não tanto o facto de estes se encontrarem designados ao abrigo da RN2000,
cujo estatuto parece ter servido sobretudo para reforçar argumentos
alimentados pelas preocupações referidas. No entanto, uma figura legal como
a RN2000, que pretende recuperar ou preservar a biodiversidade associada a
um imaginário com conotações positivas, poderá encontrar nestas pretensões
uma importante fonte de capital simbólico para se tornar mais presente no
discurso (e no agir) das populações da Ria de Aveiro. Doutoramento em Ciências e Engenharia do Ambiente