Author(s):
Guilherme, Sofia Isabel Antunes Gomes
Date: 2013
Persistent ID: http://hdl.handle.net/10773/10117
Origin: RIA - Repositório Institucional da Universidade de Aveiro
Subject(s): Biologia; Herbicidas - Aspectos ambientais; Contaminação da água; Toxicologia genética; Stresse oxidativo; Enguias - Efeitos da poluição
Description
No contexto dos contaminantes aquáticos, os herbicidas são considerados
como um dos grupos mais perigosos. Uma vez aplicados, estes são facilmente
transportados para cursos de água, quer devido a uma pulverização pouco
cuidada ou devido a fenómenos de escorrência superficial e/ou subterrânea. A
presença destes agroquímicos no ambiente tem vindo a ser associada a
efeitos nefastos em organismos não-alvo, como é o caso dos peixes. Contudo,
existe ainda uma grande lacuna no que diz respeito à informação científica
relacionada com o seu impacto genotóxico. Deste modo, a presente tese foi
delineada com o intuito de avaliar o risco genotóxico em peixes de duas
formulações de herbicidas: o Roundup®, que tem como princípio activo o
glifosato, e o Garlon®, que apresenta o triclopir na base da sua constituição,
produtos estes largamente utilizados na limpeza de campos agrícolas, assim
como em florestas. Foi ainda planeado desenvolver uma base de
conhecimento no que diz respeito aos mecanismos de dano do ADN. Como
último objectivo, pretendeu-se contribuir para a mitigação dos efeitos dos
agroquímicos no biota aquático, nomeadamente em peixes, fornecendo dados
científicos no sentido de melhorar as práticas agrícolas e florestais.
Este estudo foi realizado adoptando a enguia europeia (Anguilla anguilla L.)
como organismo-teste, e submetendo-a a exposições de curta duração (1 e 3
dias) dos produtos comerciais mencionados, em concentrações consideradas
ambientalmente realistas. Para a avaliação da genotoxicidade foram aplicadas
duas metodologias: o ensaio do cometa e o teste das anomalias nucleares
eritrocíticas (ANE). Enquanto o ensaio do cometa detecta quebras na cadeia
do ADN, um dano passível de ser reparado, o aparecimento das ANE revela
lesões cromossomais, sinalizando um tipo de dano de difícil reparação. O
ensaio do cometa foi ainda melhorado com uma nova etapa que incluiu a
incubação com enzimas de reparação (FPG e EndoIII), permitindo perceber a
ocorrência de dano oxidativo no ADN. No que diz respeito ao Roundup®, o
envolvimento do sistema antioxidante como indicador de um estado próoxidante
foi também alvo de estudo.
Uma vez que as referidas formulações se apresentam sob a forma de
misturas, o potencial genotóxico dos seus princípios activos foi também
avaliado individualmente. No caso particular do Roundup®, também foram
estudados o seu surfactante (amina polietoxilada; POEA) e o principal
metabolito ambiental (ácido aminometilfosfórico; AMPA).
Os resultados obtidos mostraram a capacidade do Roundup® em induzir
tanto dano no ADN (em células de sangue, guelras e fígado) como dano
cromossómico (em células de sangue). A investigação sobre o possível
envolvimento do stresse oxidativo demonstrou que o tipo de dano no ADN
varia com as concentrações testadas e com a duração da exposição. Deste
modo, com o aumento do tempo de exposição, os processos relacionados com
o envolvimento de espécies reactivas de oxigénio (ERO) ganharam
preponderância como mecanismo de dano no ADN, facto que é corroborado
pela activação do sistema antioxidante observado nas guelras, assim como
pelo aumento dos sítios sensíveis a FPG em hepatócitos.
O glifosato e o POEA foram também considerados genotóxicos. O POEA
mostrou induzir uma maior extensão de dano no ADN, tanto comparado com o
glifosato como com a mistura comercial. Apesar de ambos os componentes
contribuirem para a genotoxicidade da formulação, a soma dos seus efeitos
individuais nunca foi observada, apontando para um antagonismo entre eles e
indicando que o POEA não aumenta o risco associado ao princípio activo.
Deste modo, realça-se a necessidade de regulamentar limiares de
segurança para todos os componentes da formulação, recomendando, em
particular, a revisão da classificação do risco do POEA (actualmente
classificado com “inerte”). Uma vez confirmada a capacidade do principal
metabolito do glifosato – AMPA – em exercer dano no ADN assim como dano
cromossómico, os produtos da degradação ambiental dos princípios activos
assumem-se como um problema silencioso, realçando assim a importância de
incluir o AMPA na avaliação do risco relacionado com herbicidas com base no
glifosato.
A formulação Garlon® e o seu princípio activo triclopir mostraram um claro
potencial genotóxico. Adicionalmente, o Garlon® mostrou possuir um potencial
genotóxico mais elevado do que o seu princípio activo. No entanto, a
capacidade de infligir dano oxidativo no ADN não foi demonstrada para
nenhum dos agentes.
No que concerne à avaliação da progressão do dano após a remoção da
fonte de contaminação, nem os peixes expostos a Roundup® nem os expostos
a Garlon® conseguiram restaurar completamente a integridade do seu ADN ao
fim de 14 dias. No que concerne ao Roundup®, o uso de enzimas de
reparação de lesões específicas do ADN associado ao teste do cometa
permitiu detectar um aparecimento tardio de dano oxidativo, indicando deste
modo um decaimento progressivo da protecção antioxidante e ainda uma
incapacidade de reparar este tipo de dano. O período de pós-exposição
correspondente ao Garlon® revelou uma tendência de diminuição dos níveis
de dano, apesar de nunca se observar uma completa recuperação. Ainda
assim, foi evidente uma intervenção eficiente das enzimas de reparação do
ADN, mais concretamente as direccionadas às purinas oxidadas.
A avaliação das metodologias adoptadas tornou evidente que o
procedimento base do ensaio do cometa, que detecta apenas o dano nãoespecífico
no ADN, possui algumas limitações quando comparado com a
metodologia que incluiu a incubação com as enzimas de reparação, uma vez
que a última mostrou reduzir a possibilidade de ocorrência de resultados falsos
negativos. Os dois parâmetros adoptados (ensaio do cometa e teste das ANE)
demonstraram possuir aptidões complementares, sendo assim recomendado a
sua utilização conjunta com vista a efectuar uma avaliação mais adequada do
risco genotóxico.
Globalmente, os resultados obtidos forneceram indicações de grande
utilidade para as entidades reguladoras, contribuindo ainda para a
(re)formulação de medidas de conservação do ambiente aquático. Neste
sentido, os dados obtidos apontam para a importância da avaliação de risco
dos herbicidas incluir testes de genotoxicidade. A magnitude de risco
detectada para ambas as formulações adverte para a necessidade de adopção
de medidas restritivas em relação à sua aplicação na proximidade de cursos
de água. Como medidas mitigadoras de impactos ambientais, aponta-se o
desenvolvimento de formulações que incorporem adjuvantes selecionados
com base na sua baixa toxicidade. Herbicides are considered among the most hazardous contaminants of
water bodies, since they easily reach these ecosystems through aerial spray
drift, artificial drainage systems and surface or sub-surface runoff. The
occurrence of these agrochemicals in the aquatic environment has been
associated to deleterious effects in non-target organisms, namely fish.
However, a considerable gap is evident regarding the scientific information on
their genotoxic impact. Therefore, the present thesis was designed with the
intention to evaluate the genotoxic risk to fish of the herbicide formulations
Roundup® (glyphosate-based) and Garlon® (triclopyr-based), representing
broadly used products worldwide to manage unwanted vegetation in agriculture
and forestry. It was also planned to develop of a biologically base knowledge
on DNA damage mechanisms. As ultimate goal, it was intended to contribute to
mitigate the effects of agrochemicals in aquatic biota, namely fish, providing
scientific data able to improve forestry and agriculture managing practices.
The study was carried out adopting the European eel (Anguilla anguilla L.)
as test organism and performing short-term exposures (1 and 3 days) to
environmentally realistic concentrations of the mentioned commercial products.
Two different genotoxic endpoints were adopted: comet and erythrocytic
nuclear abnormalities (ENA) assays. The comet assay measures DNA stand
breaks, a repairable type of damage, whereas the ENA assay identifies
chromosomal lesions, signalizing a type of damage hardly repairable. The
comet assay was also upgraded with an extra-step involving incubation with
repair enzymes (FPG and EndoIII), in order to detect oxidative DNA damage. In
what concerns to Roundup®, the involvement of the antioxidant system as
indication of a pro-oxidant status was also assessed.
Once the aforementioned formulations are presented as mixtures of
chemicals, the genotoxic potential of their active ingredients individually was
also assessed. In the case of Roundup®, the evaluation of the risk associated
to the surfactant (polyethoxylated amine; POEA) and to the major
environmental breakdown product of the active principle
(aminomethylphosphonic acid; AMPA) was carried out as well.
The results obtained showed the Roundup® ability to induce both DNA (in
blood, gills and liver cells) and chromosomal damage (in blood cells). The
investigation on the causative involvement of oxidative stress demonstrated
that the type of DNA damage varies with tested concentrations and exposure
duration. Thus, ROS-dependent processes gained preponderance as a
mechanism of DNA damage with the increase of exposure length, which was
corroborated by the antioxidant activation observed in gills as well as the net
FPG-sensitive sites elevation detected in liver.
Glyphosate and the surfactant POEA were also found to be genotoxic.
Moreover, POEA induced the highest extent of DNA damage, when compared
to glyphosate and the commercial mixture. Though both components showed
to contribute to the overall genotoxicity of the herbicide formulation, the sum of
their individual effects was never observed, pointing out an antagonistic
interaction between them, indicating that POEA does not increase the risk
associated to the active ingredient. These findings also emphasized the need
to define regulatory thresholds for all the formulation components,
recommending, in particular, the revision of the hazard classification of POEA
(classified as “inert” until date). Since the ability of the main environmental
metabolite of glyphosate - AMPA - in exert DNA and chromosomal damage
was also confirmed, it was pointed out the silent problem that the products of
environmental degradation of the active ingredients can constitute. In addition,
the importance to include AMPA in risk assessment studies concerning the
glyphosate-based herbicides was highlighted.
The formulation Garlon® and its active ingredient triclopyr also showed a
clear genotoxic potential. In addition, it was demonstrated the higher
genotoxicity of the formulation, in comparison to the active ingredient. However,
their ability in exert oxidative DNA damage could not be demonstrated.
In what concerns to the evolution of the damage progression after removal
of the contamination source, neither fish exposed to Roundup® nor Garlon®
achieved a complete restoration of DNA integrity in 14 days. In relation to
Roundup®, the use of the DNA lesion-specific repair enzymes allowed
understanding the occurrence of a late oxidative DNA damage, indicating a
progressive decay of cell antioxidant protection as well as the incapacity to
repair this particular type of damage. The Garlon® post-exposure period
revealed a tendency to decrease damage levels, although not enough to be
regarded as an effective recovery. However, an efficient intervention of DNA
repair enzymes specifically directed to oxidized purines became evident.
Evaluating the performance of the adopted genotoxic endpoints, it was
evident that the standard comet procedure, detecting only non-specific DNA
damage, displayed some limitations when compared to the methodology that
includes the incubation with the repair enzymes, since the latter reduced the
possibility of false negative results. The two adopted endpoints (comet and
ENA assays) demonstrated complementary aptitudes, being recommended
their jointly application since it allows a more effective genotoxic risk
assessment.
Overall, the results obtained provided useful recommendations for policymaking,
contributing to (re)formulate regulatory procedures for protecting the
health of aquatic environment. In this direction, the data gathered in this work
point to the importance of performing a genotoxic evaluation in order to actually
determine the hazard posed by herbicides and their by-products. The
magnitude of risk detected for both formulations strongly advise the adoption of
restrictive measures in relation to their application in the proximity of
watercourses. As mitigation measures, the development of formulations
incorporating adjuvants selected on the basis of their lower toxicity emerged as
a recommended path. Doutoramento em Biologia