Author(s):
Cardoso, Maria Adriana Príncipe, 1975-
Date: 2010
Persistent ID: http://hdl.handle.net/10451/3001
Origin: Repositório da Universidade de Lisboa
Subject(s): Teses de doutoramento - 2011; Língua portuguesa; Orações relativas; Sintaxe; Variação linguística; Mudança linguística; Teoria de princípios e parâmetros; Teses de doutoramento - 2011
Description
Tese de doutoramento, Linguística (Linguística Histórica), Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, 2011 This dissertation sheds light on language variation and change from a generative
syntactic perspective, based on a case study of relative clause constructions in
Portuguese and other languages. The research methodology adopted involves
comparative syntax (see, e.g., Cinque and Kayne 2005), both in the diachronic and the
synchronic dimensions: contemporary European Portuguese is systematically
compared with earlier stages of Portuguese; moreover, Portuguese is compared with
other languages, in particular Latin, English, Dutch, and Italian.
Furthermore, the present research contributes to the theoretical debate on the
structural analysis of three different phenomena: restrictive relatives, appositive
relatives, and extraposition. Two important findings are (i) that competing theoretical
analyses need not be either false or true universally, but could be instrumental in
explaining language variation (both diachronically and synchronically); and (ii)
simple lexical changes concerning the availability of (abstract) functional items can
have dramatic consequences in the behavior of certain 'construction types' in a
particular language. As for the structural analyses of relative clauses and
extraposition, both Kayne’s (1994) raising analysis and De Vries’ (2006b) specifying
coordination analysis proved to be central to the understanding of the issues dealt with
in this dissertation.
Ultimately, this dissertation demonstrates that cross-linguistic and diachronic
contrasts offer invaluable means of enhancing our understanding of various linguistic
phenomena, thereby contributing also to our understanding of the interaction between
principles and parameters. A presente dissertação visa contribuir para a compreensão dos fenómenos de variação
e mudança linguísticas, centrando-se no estudo de construções de relativização em
português e em outras línguas.
A perspectiva adoptada neste estudo insere-se na área de investigação que tem
sido designada de sintaxe comparada (cf., a título de exemplo, Cinque e Kayne 2005).
Esta opção metodológica manifesta-se em dois planos distintos. Por um lado, é
estabelecida uma comparação entre os dados de estádios anteriores do português e do
português europeu contemporâneo. Por outro lado, estes dados são confrontados com
dados de outras línguas, nomeadamente do latim, inglês, holandês e italiano.
Esta metodologia foi determinante para o desenvolvimento do presente estudo.
Permitiu, por exemplo, mostrar que as construções de relativização não exibem um
comportamento uniforme no decurso da história do português. Permitiu ainda concluir
que, no que diz respeito a algumas das construções investigadas, há uma clara
coincidência entre os dados diacrónicos do português e os dados de línguas
germânicas contemporâneas (com particular ênfase para o inglês e holandês). O
enquadramento conceptual e os instrumentos associados à investigação comparativa
possibilitaram assim ultrapassar algumas das limitações inerentes à investigação em
linguística histórica, nomeadamente no que diz respeito à natureza limitada das fontes
escritas e à impossibilidade de manipular dados.
A análise apresentada toma como referência o quadro da Teoria de Princípios e
Parâmetros (Chomsky 1981 e trabalhos posteriores), na sua versão minimalista
(Chomsky 1993, 1995 e trabalhos subsequentes). A variação e mudança linguísticas
são interpretadas com base no modelo proposto por Lightfoot (1991, 1999 e trabalhos
posteriores), que estabelece uma relação clara entre a mudança linguística e a
aquisição da linguagem. A explicação dos fenómenos de variação linguística
beneficia ainda dos contributos de Kroch (1989, 1994, 2001) e da investigação em
sintaxe comparada paramétrica (cf., e.g., Holmberg and Roberts 2010). A este
respeito, cumpre referir que a adopção de um modelo teórico foi fundamental para os
resultados alcançados neste trabalho. Para mencionar apenas algumas das mais valias
obtidas, o enquadramento teórico foi decisivo na organização, descrição e explicação
dos dados. Permitiu ainda fazer predições importantes, que orientaram a pesquisa de corpora numa fase adiantada dos trabalhos. Parafraseando a epígrafe desta
dissertação, não pode haver teoria sem dados e, sem teoria, dificilmente há
compreensão.
A investigação que se apresenta assenta em fundamentação empírica
proveniente de diversas fontes, em função dos diferentes objectivos delineados.
No que concerne aos dados da história do português, o período compreendido
entre os séculos XIII e a primeira metade do século XVI é estudado com base nos
textos editados em Martins (2001), em Documentos Portugueses do Noroeste e da
Região de Lisboa. Os dados recolhidos são complementados por outras fontes, em
particular por textos disponíveis no Corpus Informatizado do português Medieval
(Xavier, Coord.) e no Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (Galves, Coord.).
São também consideradas algumas edições de documentos da época, nomeadamente:
Crónica do Conde D. Pedro de Meneses (ed. Brocardo 1997); Livro de Linhagens do
Conde D. Pedro (ed. Brocardo 2006); Demanda do Santo Graal (ed. Piel and Nunes
1988); Livro dos Ofícios (ed. Piel 1948); Crónica de D. Fernando (ed. Macchi 1975);
Gil Vicente: todas as obras (coord. Camões 1999). Para o período compreendido
entre a segunda metade do século XVI e o século XIX, a fundamentação empírica é
proveniente do Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (Galves, Coord.), bem
como dos textos disponibilizados em CARDS - Cartas Desconhecidas (Marquilhas,
Coord.) e Corpus do Português – CdP - (Davies and Ferreira 2006-). Tal como para o
período anterior, são igualmente consideradas edições de outros documentos da
época: Os Autos do Processo de Vieira na Inquisição (ed. Muhana 1995);
Documentos para a História da Inquisição em Portugal (ed. Pereira 1987); Inquisição
de Évora: dos Primórdios a 1668 (ed. Coelho 1987).
Para o português europeu contemporâneo, para além das minhas próprias
intuições e dos juízos de outros falantes nativos, são tidos em conta textos
provenientes de diversas fontes. Os corpora consultados são: Corpus de Extractos de
Textos Electrónicos MCT/Público (Rocha e Santos 2000), Corpus de Referência do
Português Contemporâneo (Bacelar do Nascimento, Coord.), Corpus do Português
Oral (Bacelar do Nascimento, Portuguese Coord. 2005), Corpus Dialectal para o
Estudo da Sintaxe (Martins, Coord.).
No que diz respeito à evidência empírica relativa a outras línguas, para além de
dados recolhidos em textos da especialidade, são considerados dados dos seguintes
corpora: Corpus of Contemporary American English (see Davies 2008-), Penn Parsed Corpus of Modern British English (Kroch et al. 2010), Penn-Helsinki Parsed Corpus
of Early Modern English (Kroch et al. 2004). Os dados do holandês, italiano e latim
são maioritariamente provenientes de estudos sobre construções de relativização (com
excepção do holandês, língua para a qual se apresentam também produções de vários
falantes).
Do ponto de vista teórico, a presente dissertação contribui para o debate que se tem
gerado em torno da análise sintáctica das orações relativas restritivas, orações
relativas apositivas e extraposição. Duas conclusões gerais podem ser destacadas: (i)
as diferentes análises apresentadas na literatura para dar conta destes fenómenos
linguísticos não têm necessariamente de ser consideradas verdadeiras ou falsas (ou
correctas/incorrectas), podendo constituir instrumentos fundamentais para a
compreensão da variação linguística (sincrónica e diacrónica); (ii) simples mudanças
no léxico relativas à presença de itens funcionais abstractos (i.e., sem realização
fonética) podem ter um impacto bastante significativo nas propriedades e estrutura
sintáctica das tradicionais ‘construções linguísticas’.
A dissertação é constituída por três estudos principais, que se descrevem de
seguida.
O primeiro estudo apresenta e discute o fenómeno de remnant-internal relativization
(RIR). Este termo é usado para referir os contextos de não adjacência entre o núcleo
de uma oração relativa restritiva e o seu modificador/complemento, como se ilustra
esquematicamente em (1):
(1) [S-matrix ... [N [RC ... modificador/complemento ... ]] ...]
Dois padrões de ordem de palavras são identificados na história do português:
• RIR com o modificador/complemento em posição final (no interior da oração
relativa):
(2) os livros que eu compus da philosaphia
(D. Pedro, Livro dos Ofícios, séc. XV, in Pádua 1960: 70, cit. em Martins 2004) (3) e pasarã hu! rrio que perhy core dagoa doce
(Carta de Pero Vaz de Caminha, fol. 3v., séc. XV, cit. em Martins 2004)
(4) eram sobrinhas da molher que faleseo de lamsarote rodrigues
(Coelho 1987; Inquisição de Évora: dos primórdios a 1668; 1612)
(5) como eu me encontro num estado miseravel pella falta que há do vinho
(CARDS 4002; 1890)
• RIR com o modificador/complemento na periferia esquerda da oração
relativa:
(6) e qualquer que de nos primeiro morer
(Martins 2001; Doc. Portugueses do Noroeste e da Região de Lisboa; 1266)
(7) e esto por prool e verdade de h!a Licença que do dito senhor pera ello tenho
(Martins 2001; Doc. Portugueses do Noroeste e da Região de Lisboa; 1540)
(8) e o deradeiro que delas fiquar posa amte de sua morte nomear a terçeira
(Martins 2001; Doc. Portugueses do Noroeste e da Região de Lisboa; 1528)
(9) Nas bombas que de fogo estão queimando
(Ramos 1982; L. de Camões, Os Lusíadas, V, 90; séc. XVI)
Estes padrões coexistem com o padrão mais frequente, que envolve adjacência entre o
núcleo e o seu modificador/complemento, como em (10):
(10) [S-matrix ... [N modificador/complemento [RC ... t ... ]] ...]
O objectivo central do presente estudo é demonstrar que a construção RIR constitui
evidência para a elevação para as orações relativas restritivas por elevação (raising
analysis), proposta originalmente por Schachter (1973) e Vergnaud (1974, 1985) e
recentemente adoptada (e actualizada) por Kayne (1994), Bianchi (1999) e De Vries
(2002).
Numa primeira etapa do estudo, mostra-se que a análise clássica por adjunção
(cf. Chomsky 1977, Brito 1991, entre outros) não permite explicar a presença de
modificadores/complementos no interior da oração relativa. Dois argumentos são
apresentados para justificar esta impossibilidade: (i) assumindo que os modificadores/complementos do nome são compostos com o nome numa posição
externa à oração relativa, os contextos de RIR teriam de envolver a descida (lowering)
dos modificadores/complementos para uma posição que não c-comanda o seu
vestígio; (ii) se o núcleo e o seu modificador/complemento fossem gerados em
posições distintas (o núcleo numa posição externa à oração relativa e o
modificador/complemento numa posição interna), ficaria por explicar a existência de
uma dependência semântica e de uma relação de selecção entre estes elementos.
Numa segunda etapa, mostra-se que a construção RIR pode ser derivada pela
combinação da análise de elevação das orações relativas com o apagamento de cópias
em PF (Bo!kovi" e Nunes 2007). De forma esquemática, propõe-se que os casos de
RIR e os casos de adjacência entre o núcleo e o seu modificador/complemento são
derivados por uma estrutura como em (11), implementada em termos da teoria do
movimento como cópia:
(11) [os [ livros da philosaphia]i [que eu compus [livros da philosaphia] i]]
Em função da estrutura informacional e de requisitos relacionados com a satisfação
dos traços EPP de algumas categorias funcionais, mais do que uma cadeia de
movimento pode ter lugar e podem ocorrer diversos tipos de apagamento de cópia
(incluindo apagamento de cópias mais baixas e apagamento de partes distintas de
diferentes cópias - scattered deletion), de forma a derivar os diferentes padrões de
ordem de palavras identificados nestas construções.
Os dados relativos à construção RIR são ainda integrados no contexto mais
geral de ocorrência de sintagmas nominais descontínuos na história do português.
O segundo estudo apresentado nesta dissertação discute a extraposição de orações
relativas restritivas. Neste âmbito, o termo extraposição é usado para referir os
contextos em que não existe adjacência entre a oração relativa e o seu antecedente,
ocorrendo entre ambos material lexical da matriz, como se observa no esquema em
(12). De forma a facilitar a leitura, o material da matriz que ocorre entre o antecedente
e a oração relativa é destacado graficamente (sublinhado).
(12) [ ... [antecedente] ... OR...] Em português europeu contemporâneo, as orações relativas restritivas podem ocorrer
extrapostas, como se ilustra em (13)-(16):
(13) Ainda por cima, dá-se conta de que as obras não têm licença camarária e faz
diligências na Câmara das Caldas da Rainha que levam ao seu embargo
(CETEMPúblico -Primeiro milhão)
(14) Não havia ontem nenhum aluno na minha aula que estivesse concentrado.
(15) Encontrei uma pessoa ontem que não via há muito tempo.
(http://coisasbelasesujas.blogspot. com/2004_09_01_ archive.html)
(16) Houve alguém no meio da noite que decidiu agarrar uma cana que supostamente seria
do Aranha (...)
(exemplo recolhido em: http://www.pescador.com.pt/livre/ viewtopic.php?f=
9&t=1772)
Tal possibilidade também se regista na história do português. Contudo, em fases
anteriores do português, a extraposição de orações relativas restritivas é mais
permissiva do que em português europeu contemporâneo. O mesmo tipo de contraste
se observa em diferentes línguas contemporâneas. A este respeito, é interessante notar
que as línguas germânicas (em particular o inglês e o holandês) exibem possibilidade
de extraposição generalizada, opondo-se desta forma ao português europeu
contemporâneo (mas aproximando-se claramente da situação observada na diacronia
do português).
Os contrastes observados, quer na dimensão sincrónica quer na diacrónica,
podem ser descritos de acordo com os seguintes parâmetros: (i) efeito de definitude;
(ii) extraposição a partir de posições encaixadas; (iii) extraposição a partir de
constituintes pré-verbais.
Considerando, a título de exemplo, a situação do português contemporâneo,
verifica-se que: (i) o antecedente de uma oração restritiva extraposta pode ser um
sintagma nominal ‘fraco’, mas não um sintagma nominal ‘forte’ (Milsark 1974) (cf.
(17)-(18)); (ii) o antecedente da oração restritiva extraposta não pode ser um
constituinte encaixado, como é o caso do complemento de uma preposição (cf.
exemplo (19) e (20); note-se que no último caso há um nível adicional de encaixe);
(iii) o antecedente da relativa extraposta pode ser um sujeito pré-verbal, mas não um
sujeito pós-verbal (cf. (21)-(22)). (17) a. Encontrei um rapaz no cinema que perguntou por ti.
b. *Encontrei o rapaz no cinema que perguntou por ti.
(18) a. Foram publicados dois livros recentemente que vale a pena ler.
b. *Foram publicados aqueles livros recentemente que vale a pena ler.
(19) a. Agradeci no jantar a alguns amigos que me ajudaram nesta fase difícil.
b. *Agradeci a alguns amigos no jantar que me ajudaram nesta fase difícil.
(20) a. Vi ontem a filha de um rapazi quei joga no Benfica.
b. *Vi a filha de um rapazi ontem quei joga no Benfica.
(21) a. Ontem explodiu uma bomba em Israel que causou 5 mortos.
b. *Ontem uma bomba explodiu em Israel que causou 5 mortos.
(22) a. Chegou um senhor ontem que fez muitas perguntas sobre ti.
b. *Um senhor chegou ontem que fez muitas perguntas sobre ti.
Ainda no que diz respeito à extraposição a partir de outros antecedentes pré-verbais,
verifica-se que o antecedente de uma oração restritiva extraposta pode ser um
constituinte wh-, um foco contrastivo ou um constituinte enfático/avaliativo, mas não
um tópico.
Quando analisados à luz de uma perspectiva comparativa, estes resultados
tornam-se particularmente interessantes. Por um lado, as restrições acima
apresentadas não se observam em fases anteriores do português. Por outro lado,
línguas germânicas como o inglês e o holandês não exibem as restrições identificadas
em português contemporâneo, apresentando antes a extraposição generalizada
documentada na diacronia do português.
Do ponto de vista teórico, estes contrastes são explicados pelo facto de a
extraposição de orações restritivas poder envolver diferentes estruturas: uma estrutura
que envolve coordenação especificante (e elipse), como em (23), (cf. De Vries 2002)
e uma estrutura que envolve abandono (stranding) da oração relativa na sua posição
básica, como em (24) (cf. Kayne 1994).
(23) ... [CoP [XP1 antecedente YP] [ Co [XP2 [antecedente OR] YP]]] (coord. especificante) (24) ... [antecedentei YP [ ti OR]] (abandono da OR)
As diferentes propriedades observadas resultam assim da estrutura sintáctica que gera
as orações relativas restritivas extrapostas. Do ponto de vista diacrónico, propõe-se
que a extraposição de restritivas é gerada por coordenação especificante em fases
anteriores do português, sendo gerada por abandono da oração relativa em português
europeu contemporâneo. Do ponto de vista inter-linguístico, coloca-se a hipótese de
línguas como o inglês e o holandês gerarem a extraposição por coordenação
especificante, em contraste com o português europeu contemporâneo (e possivelmente
o italiano, o castelhano e o francês), que derivam a extraposição por abandono da
oração relativa.
Sugere-se, por fim, que a variação encontrada neste domínio decorre da
presença de um núcleo coordenativo restritivo abstracto no léxico de diferentes
línguas (ou de diferentes estádios de uma mesma língua). Salienta-se, ainda, que
parece haver uma correlação entre a perda de extraposição por coordenação
especificante e a possibilidade de extrapor membros coordenados em contextos
tradicionais de coordenação.
O terceiro e último estudo apresentado investiga um caso de (micro-)variação que
envolve relativas apositivas introduzidas pelo morfema o qual. Do ponto de vista
descritivo, existe um contraste marcado entre as propriedades das relativas apositivas
com o qual na sincronia e diacronia do português. Este contraste pode ser descrito
tendo em conta os seguintes parâmetros: (i) núcleo interno; (ii) extraposição; (iii)
pied-piping; (iv) antecedentes oracionais; (v) antecedentes descontínuos; (vi)
coordenação do morfema wh com outro sintagma nominal; (vii) força ilocutória; (viii)
conjunção coordenativa.
Considere-se, a título de exemplo, as propriedades referidas em (i), (iv) e (vi).
Em português europeu contemporâneo, as relativas apositivas introduzidas por o qual
não podem ocorrer com um núcleo interno (cf. (25)), não permitem antecedentes
oracionais (cf. (26)), nem a coordenação do morfema-wh com outro sintagma nominal
(cf. (27)). Estas estruturas encontram-se, porém, documentadas na história do
português, como se ilustra em (25)-(28). (25) *Existem argumentos fortes a favor dessa análise, os quais argumentos apresentarei de
seguida.
(26) *O João chegou a horas, o qual muito me surprendeu.
(27) *O presidente elogiou o João, o qual e a sua mulher têm desenvolvido um óptimo
trabalho naquela instituição.
(28) entrego e outorgo. ao Mosteiro de san Saluador de Moreyra. h!u casal que e en Rial
de Pereyra. o qual casal a dita dona Mayor u"egas [...] mandou ao dito Mosteiro.
(Martins 2001; Doc. Portugueses do Noroeste e da Região de Lisboa; 1282)
(29) e se obrygou de paguar os dytos duzemtos Reaes e dous fframguãos e a dyta galinha
de fforo despoys do ffaleçimemto da dyta molher do dito alluaro fernandez em cada
h!u Ano pelo dito dia de natall pera o qual loguo obrygou seus b"es
(Martins 2001; Doc. Portugueses do Noroeste e da Região de Lisboa; 1540)
(30) filho de hum seu filho chamado per nome dom Henrrique, o qual era lidimo e,
segundo conta a cronica, era o primeiro filho que o dito rei de Ungria ouve. O qual
dom Henrrique e hum seu tio, irmão de sua madre,[...] se vierão a Castela aa corte,
donde o dito rei dom Affonsso estava
(CdP; Cronica de Portugal; 1419)
Tomando em consideração estes e outros contrastes, propõe-se que as orações
apositivas introduzidas por o qual não envolvem apenas uma estrutura sintáctica,
podendo ser geradas por coordenação especificante (cf. De Vries 2006b) ou por
elevação do núcleo (cf. Kayne 1994). Assim, defende-se que em estádios anteriores
do português as orações apositivas introduzidas por o qual são geradas por
coordenação especificante, enquanto em português europeu contemporâneo são
geradas por elevação do núcleo. Tal hipótese deriva as propriedades contrastivas
acima mencionadas, bem como os contrastes observados entre diversas línguas
contemporâneas (e.g., entre o português europeu contemporâneo e o inglês
contemporâneo).
Por fim, é de salientar o facto de esta proposta de uma análise não unitária das
orações apositivas assentar em evidência empírica sólida e bem controlada. Tomando
como objecto uma construção muito específica – orações relativas apositivas
introduzidas pelo morfema relativo o qual –, analisada em diferentes fases de uma
mesma língua, este estudo envolveu um elevado grau de controlo de variáveis, muitas
vezes inviável em estudos que comparam línguas historica e tipologicamente
distantes. Com base nos dois últimos estudos, é possível concluir que a organização tradicional
dos fenómenos linguísticos em torno dos tradicionais tipos de ‘construção’ (e.g.,
orações relativas apositivas e extraposição) pode facilmente induzir em erro. De facto,
apesar de a classificação tradicional apontar para um comportamento uniforme das
construções abrangidas sob determinada designação, nem sempre tal se verifica. Estes
estudos demonstram que uma análise unitária das orações relativas apositivas e da
extraposição de relativas restritivas não permite explicar a variação observada nos
planos inter e intra-linguísticos.
A presente dissertação ilustra também, de forma bastante evidente, que os dados
de variação linguística podem contribuir para a compreensão de diversos factos
linguísticos e para a clarificação das relações que se estabelecem entre princípios e
parâmetros. National and European funding – grant SFRH/BD/22475/2005. Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT)