Autor(es):
Almaça, Joana Collares Pereira, 1984-
Data: 2010
Identificador Persistente: http://hdl.handle.net/10451/2591
Origem: Repositório da Universidade de Lisboa
Assunto(s): Fibrose quística; Canais iónicos; Epitélio; Teses de doutoramento - 2011
Descrição
Tese de doutoramento, Bioquímica (Genética Molecular), Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, 2011 Cystic Fibrosis (CF) is a genetic disease leading to a progressive major pulmonary
dysfunction and caused by mutations in the gene encoding the Cystic Fibrosis
Transmembrane Conductance Regulator (CFTR) protein, which, in CF, has impaired
function and/or expression. CFTR is an ABC-transporter expressed at the apical
membrane of epithelial cells where it functions as a cAMP-dependent, PKA-regulated
Cl- channel. In turn, CFTR also regulates other ion conductances such as the epithelial
Na+ channel (ENaC) which is inhibited by CFTR. This leads to a major characteristic of
CF epithelia, i.e., defective CFTR-mediated Cl- secretion and enhanced Na+
absorption. Traditional CF therapies treat the symptoms. However, several different
therapeutic approaches for the treatment of the basic defect in CF are being pursued.
In addition to “CFTR-assist” strategies aiming at correct the intrinsic defect of multiple
CFTR mutations, others such as inhibition of ENaC and/or activation of alternative Clchannels,
e.g. Ca2+-activated Cl- channels (CaCCs) may be able to partially by-pass
and overcome the defects caused by the loss of CFTR. The feasibility of these non-
CFTR based approaches requires a better knowledge of the characteristics and
regulation of the ion channels in question, so that a normally hydrated epithelial surface
can be maintained and soften CF lung disease severity.
The mechanism(s) through which CFTR controls ENaC activity remain elusive. Several
proteins have been suggested to mediate CFTR-ENaC functional interaction and to
have a differential effect on ENaC activity depending on the presence or absence of
wild type CFTR protein. One of the proposed mediators is the casein kinase 2 (CK2),
previously shown to phosphorylate - and -ENaC subunits, and whose localization at
the apical membrane of epithelial cells is abolished when the most common CFTR
mutation in CF is present. In Chapter 1 on the Results section, the effects of CK2
phosphorylation on ENaC activity and expression were addressed in detail. We found
that basal CK2 phosphorylation of ENaC C termini keeps the channel active and
impairs the binding of the ubiquitin ligase Nedd4-2, inhibiting channel endocytosis.
In Chapter 2 of the Results section, another kinase affecting CFTR and ENaC activity,
the AMP-dependent protein kinase (AMPK), was investigated. AMPK is activated upon
ATP depletion in the cells, switching off ATP-consuming pathways, such as those that
lead to ion transport through ENaC and CFTR. Here, the mechanism by which AMPK
controls ENaC activity and its physiological relevance in a knockout mouse model for
the catalytic subunit of AMPK. We observed that AMPK activation stimulates Nedd4-2-
dependent ENaC endocytosis and consequent inhibition of Na+ transport that is coupled to ATP consumption through the activity of Na+/K+-ATPase. Knockout animals
have increased expression of ENaC at the apical membrane of different epithelia as
well as enhanced Na+ transport in these tissues. Regulation of ENaC by AMPK differs
from that mediated by CK2 in the way that while the last occurs constitutively, the
former is most relevant under stress conditions and energy depletion.
The fact that both CK2 and AMPK are ubiquitously expressed and have many cellular
targets questioned their use as therapeutic targets in CF and evidenced the urge for
the identification of novel ENaC regulators. This was performed using high-content
screening microscopy and human siRNA libraries and these data are presented in
Chapter 3 of the Results. The screen resulted in the identification of 174 different
genes whose products activate ENaC that constitute potential targets for ENaC
inhibition and treatment of CF lung disease.
In the absence of CFTR, movement of Cl- ions across epithelial surfaces procedes
through Ca2+-activated Cl- channels (CaCC) which, under such conditions become
crucially important for the maintenance of a normal ionic balance. This is evidenced in
CF mouse models that fail to exhibit the lung disease observed in humans, most
probably due to the high CaCC activity which, in murine airways, serves as the main
pathway for Cl- transport. Although the biophysical properties that characterize CaCC
are well established for long, the molecular identity of these CaCCs was only recently
identified as being the TMEM16 (anoctamin) protein family. As bestrophins, whose
expression correlate well with Ca2+-activated Cl- currents, could also play a role in
CaCC conductance, we investigated them in Chapter 4 of the Results. We observed
that Bestrophin 1 (Best1) is localized in the endoplasmic reticulum (ER) membrane and
we propose that its function is to conduct Cl- as the counteracting ion for the movement
of Ca2+ into and out of the ER. Best1 thus allows proper signaling by Ca2+ and
facilitates Ca2+-dependent ion conductance in epithelial cells.
Finally, in Chapter 5 of the Results section, data are included on the role of TMEM16
proteins on different important cellular properties, such as the regulation of the cell
volume after a hypotonic shock and cell swelling. We showed that the ability of the cells
to recover their initial volume after swelling depends on the activity of TMEM16A and
other members of this family, in a process that requires ATP release and binding to
purinergic receptors.
Altogether, these data bring new insights into the expression and regulation of two
types of channels of very high relevance to the Cystic Fibrosis field, ENaC and CaCCs, which may be crucial for the development of “by-pass therapies”, i.e. those aiming at
overcoming the ionic defects caused in epithelia by the loss of CFTR. A Fibrose Quística (FQ) é a doença genética autossómica recessiva mais comum na
população Caucasiana. Esta doença é causada por mutações no gene que codifica a
proteína CFTR (do inglês: Cystic Fibrosis Transmembrane Conductance Regulator)
que conduzem à sua perda de função e expressão correctas. A FQ é caracterizada por
uma obstrucção pulmonar crónica devido a infecções bacterianas recorrentes, sendo
esta a principal causa de mortalidade. Outros sintomas típicos da doença incluêm
insuficiência pancreática, aumento da concentração de sódio e cloreto no suor e
infertilidade masculina. No pulmão dos doentes com FQ, a composição iónica alterada
do líquido que reveste as vias respiratórias dificulta o transporte mucociliar e leva à
acumulação de um muco espesso, propício à colonização por bactérias, em particular
Pseudomonas aeruginosa. Estas infecções bacterianas e o processo inflamatório que
daí resulta, geram um ciclo vicioso que conduz à perda progressiva da função
pulmonar e à morte precoce do doente. Até à identificação da causa molecular da
doença, a determinação da concentração salina no suor (elevada na FQ) era
praticamente a única ferramenta de diagnóstico, continuando ainda a ser o método
mais usado para diagnosticar a doença.
O CFTR funciona como um canal de iões cloreto (Cl-) na membrana apical das células
epiteliais, activado pelo cAMP e por fosforilação pela proteína cinase A (PKA). A
proteína CFTR, composta por uma única cadeia polipeptídica com 1.480 resíduos de
aminoácidos, pertence à vasta família de transportadores celulares que são
responsáveis por facilitar a passagem de diversas substânicas através de membranas
das células. Este processo requer energia pelo que é acoplado à hidrólise de ATP,
sendo os membros desta família designados por transportadores ABC (do inglês: ATPbinding
cassette). Porém, o CFTR é o único transportador ABC que funciona como um
canal iónico.
O CFTR regula também outros canais iónicos presentes na membrana plasmática,
sendo bastante relevante na FQ o efeito inibitório que as correntes de Cl- através do
CFTR têm na activade do canal epitelial de sódio (do inglês: Epithelial Sodium
Channel ou ENaC). Deste modo, a doença pulmonar na FQ deve-se, não só à
existência de uma secreção de Cl- ineficiente mas, também, a uma absorção excessiva
de sódio (Na+) devido à hiperactividade do ENaC nos tecidos dos pacientes. Como já
foi referido, o ENaC é um canal de sódio, constituído por três subunidades diferentes,
-, - e -ENaC, que oligomerizam e formam um canal funcional. Para além da relevância desta proteína no contexto da FQ, mutações nas suas cadeias
polipeptídicas estão também relacionadas com diferentes formas de hipertensão.
Várias abordagens terapêuticas para o tratamento da FQ têm sido desenvolvidas e
testadas nos pacientes. Porém, a elevada complexidade desta doença requer, muitas
vezes, a combinação de diferentes estratégias, não existindo ainda cura para a
doença. As duas abordagens mais relevantes para esta tese de doutoramento
basearam~se na tentativa de mimetizar e ultrapassar os problemas causados pela
falta do CFTR na membrana apical do epitélio pulmonar. Particularmente, tem-se
depositado grande esperança em compostos que levem à inibição do ENaC ou à
activação de outros canais de Cl- (como os canais de Cl- activados pelo Ca2+ ou
CaCCs). Porém, a utilidade destas estratégias terapêuticas requer o conhecimento e
melhor compreensão das características e mecanismos de regulação dos canais
iónicos em questão, para que seja possível criar uma superfície pulmonar hidratada e
aliviar os sintomas pulmonares observados na FQ.
Os mecanismos que levam à inibição do ENaC pelo CFTR não estão ainda
completamente esclarecidos, embora muitas proteínas já tenham sido propostas como
possíveis mediadoras da interacção entre o CFTR e o ENaC. Estas teriam um efeito
diferente na actividade do ENaC consoante estivessem na presença de um canal
CFTR funcional ou de uma proteína mutada. Uma destas proteínas é o cinase de
caseína 2, também conhecido por CK2 (do inglês: casein kinase 2), cuja ligação ao
ENaC e utilização do mesmo como substrato do cinase tinham sido previamente
demonstradas. A localização da CK2 na membrana plasmática das células só é
detectada quando a proteína CFTR wild-type está presente. O efeito da fosforilação
pela CK2 na actividade e expressão do ENaC foram analisados em detalhe e
constituem o tópico principal do Capítulo 1 da tese. Descobrimos que a fosforilação
basal pela CK2 de dois resíduos nas extremidades COOH das subunidades - e - do
ENaC mantêm o canal activo e impossibilita a ligação, e consequente ubiquitinação,
de um ligase de ubiquitina E3 conhecido como Nedd4-2, inibindo deste modo a
endocitose do ENaC.
Um outro enzima que afecta, simultaneamente, tanto a actividade do CFTR como a do
ENaC é o cinase dependente do AMP (do inglês: AMP-dependent protein kinase
AMPK). Este cinase é activado quando as células estão privadas de ATP, catalisando
a fosforilação e inibição de uma série de vias metabólicas que consomem ATP,
nomeadamente, das que levam ao transporte iónico através do CFTR e do ENaC. O
mecanismo pelo qual a AMPK controla a actividade do ENaC, assim como a relevânica fisiológica deste processo foram analisados em oócitos, em linhas celulares
epiteliais e em ratinhos cujo gene responsável pela codificação da subunidade
catalítica da AMPK não se encontrava funcional. Os resultados destas experiências,
apresentados no Capítulo 2, sugerem que activação da AMPK estimula a endocitose
do ENaC de uma maneira dependente da actividade da Nedd4-2, levando a uma
inibição do transporte de Na+. Os tecidos dos ratinhos que não possuem AMPK
funcional expressam mais ENaC na membrana apical, e exibem um transporte mais
significativo de Na+. Deste modo, podemos concluir que a regulação do ENaC pela
AMPK é distinta daquela efectuada pela CK2 no sentido em que, enquanto esta última
ocorre em condições basais, a primeira é apenas relevante numa situação de stress
como a falta de energia nas células.
Contudo, tanto a CK2 como a AMPK têm uma expressão ubíqua e fosforilam muitas
outras proteínas nas células, tornando difícil o uso das mesmas como alvos
terapêuticos na FQ e evidenciando a necessidade da identificação de outros
reguladores do ENaC. De modo a cumprir este objectivo, realizámos um screen e
analisámos por microscopia o efeito de cerca de 20,000 siRNAs na função do ENaC.
Deste screen resultaram 174 genes que activam o ENaC e cuja inibição pode ser
eficaz para reduzir o transporte excessivo de Na+ que tanto prejudica as vias
respiratórias dos pacientes com FQ.
Na ausência de CFTR, o movimento de iões no epitélio de superfície decorre através
dos canais de Cl- activados pelo Ca2+ (do inglês: Ca2+-activated Cl- channels ou
CaCCs) os quais, sob tais condições, se tornam de crucial importância para a
manutenção do equilíbrio iónico normal. Esta observação é demonstrada pela
inexistência de sintomas de doença pulmonar em ratinhos cujo gene CFTR foi
reprimido, contrariamente ao que se observa em humanos, pois os CaCCs são a via
mais significativa de saída de Cl- nas vias respiratórias dos ratos. Apesar das
propriedades biofísicas que caracterizam os CaCCs serem bem conhecidas e
determinadas, só recentemente se descobriu que a entidade na membrana plasmática
das células epiteliais responsável por este tipo de correntes pertence à família
TMEM16 (ou anoctaminas).
Assim sendo, a função de candidatos propostos previamente como CaCCs não era
clara, sendo importante esclarecer o papel de uma outra família de CaCCs, as
bestrofinas, na secreção epitelial. Estudos anteriores tinham demonstrado a existência
de uma correlação entre a expressão de bestrofinas, nomeadamente da isoforma 1
(Best1) e a existência de correntes de Cl- activadas pelo Ca2+. Os resultados que obtivemos sugerem que Best1 está localizada na membrana do retículo
endoplasmático, onde funciona como um canal de Cl- sensível ao Ca2+ que
contrabalança as cargas negativas deixadas quando da entrada ou saída de Ca2+
deste organelo. Deste modo, Best1 possibilita a sinalização intracelular que usa o Ca2+
como segundo mensageiro e facilita o transporte iónico dependente do Ca2+, tal como
é apresentado no Capítulo 4.
Para finalizar, o último capítulo (Capítulo 5) aborda a importância das proteínas
TMEM16 em diferentes processos celulares, tal como a regulação do volume das
células após um choque hipotónico e o aumento do mesmo. Os nossos resultados
demonstram que a capacidade que as células têm de recuperar o seu volume inicial
após um choque hipotónico depende da actividade de várias membros desta família
de proteínas, num processo que requer a libertação de ATP e a ligação do mesmo a
receptores de membrana.
Em conclusão, os resultados obtidos permitem aprofundar o conhecimento existente
sobre a expressão e regulação de dois tipos de canais com elevada importância no
campo da FQ, ENaC e CaCCs, sendo este essencial para o desenvolvimento de
terapias alternativas para a doença.