Autor(es):
Fernandes, Ananda
Data: 2010
Identificador Persistente: http://hdl.handle.net/10451/2406
Origem: Repositório da Universidade de Lisboa
Assunto(s): Dor; Recém-nascidos; Punção venosa; Sacarose; Teses de doutoramento - 2010
Descrição
Tese de doutoramento, Enfermagem, Universidade de Lisboa, com a participação da Escola Superior de Enfermagem, 2011 Preterm neonates in intensive care units endure frequent procedures that may
cause pain, warranting the study of interventions that will decrease this pain. The primary
aim of this study was to compare the efficacy of the combination of sucrose, pacifier
and kangaroo mother care (S+KMC), with that of sucrose and pacifier (S), in reducing
the pain responses of preterm infants undergoing venepuncture. Secondary
objectives addressed to babies in S+KMC were to examine the relationship between
maternal anxiety and the pain responses of the babies; and to explore mothers’ perceptions
of KMC during venepuncture.
A randomized-controlled trial was conducted in two neonatal intensive care
units in Portugal. One-hundred and ten preterm infants without severe illness, stratified
by gestational age, were randomly assigned to receive S+KMC or S for venepuncture.
Measures of pain responses were the Premature Infant Pain Profile, heart rate, oxygen
saturation, facial actions, behavioral state, heart rate variability and recovery time,
which were analysed with repeated-measures ANOVA. Mothers’ anxiety was measured
with the State-Trait Anxiety Inventory. Their perceptions were obtained through content
analysis of semi-structured interviews.
Compared to infants in S, infants in S+KMC displayed significantly less facial
action; were more likely to have recovered heart rate baseline values at 60 and 90 seconds
after the procedure, if they were 32 weeks gestational age and above; and changed
from sleep to wake states significantly less. Maternal anxiety was low to moderate and
was not correlated to specific pain responses. Mothers emphasized their feelings of wellbeing
in comforting and protecting the babies.
In conclusion, combining sucrose, pacifier and kangaroo mother care is effective
and safe in preterm infants undergoing venepuncture for blood-draw; low to moderate
levels of anxiety of mothers do not interfere with the pain responses; mothers appreciate
holding the baby skin-to-skin when the infants are enduring pain. Os recém-nascidos pretermo que necessitam de cuidados intensivos são frequentemente
submetidos a procedimentos diagnósticos e terapêuticos que podem causar dor.
Contrariamente
ao que se pensava há duas décadas, a evolução ontogenética da dor iniciase
cedo e, a partir das 24 semanas de gestação, o feto dispõe do equipamento neurosensorial
necessário à experiência de dor. Todavia, as vias de controlo descendente não se encontram
ainda suficientemente desenvolvidas, resultando em hipersensibilidade dolorosa. As consequências
da exposição repetida à dor no período neonatal têm vindo a ser estudadas, sendo
hoje conhecidos os efeitos a curto prazo da dor não tratada, como a hiperalgesia e a alodinia
nos recém-nascidos, e alguns efeitos a médio e longo prazo como as alterações da sensibilidade
e da reactividade ao stress em crianças de idade escolar. O alívio da dor nesta população
vulnerável é, pois, uma tarefa imperiosa. Dado o reduzido leque de fármacos disponíveis
para estas idades e o seu potencial para efeitos adversos, torna-se necessária a investigação de
intervenções não-farmacológicas. Entre estas, a sacarose oral com chupeta tem sido exaustivamente
demonstrada como eficaz, sendo utilizada por norma em muitas unidades neonatais
antes da realização de procedimentos como a punção do calcanhar e a punção venosa.
Durante estes procedimentos, também o contacto pele-a-pele entre mãe e bebé, conhecido
como canguru materno, pode ser utilizado como forma de reduzir as respostas de dor dos
recém-nascidos.
Desconhecia-se, todavia, se ao adicionar o canguru materno ao uso da sacarose com
chupeta seria possível reduzir ainda mais as respostas de dor dos recém-nascidos pretermo.
Por outro lado, dada a co-regulação fisiológica mãe-bebé, colocava-se a questão de saber
se a ansiedade materna poderia comprometer o efeito analgésico do canguru materno.
Finalmente, as percepções das mães sobre a realização de canguru materno durante a venopunção
não haviam sido exploradas.
Assim, os objectivos definidos para este estudo foram: 1) comparar as respostas de
dor dos recém-nascidos pretermo aos quais é proporcionado canguru materno, sacarose oral e chupeta durante a punção venosa para colheita de sangue, com as respostas dos recém-nascidos
aos quais é proporcionada apenas sacarose oral com chupeta; 2) analisar a relação entre
a ansiedade materna e as respostas de dor dos recém-nascidos que efectuaram canguru
materno; e 3) explorar as percepções maternas sobre a realização de canguru materno durante
a venopunção.
Para dar resposta ao primeiro objectivo, foi realizado um estudo randomizado, controlado,
cego, em duas unidades de cuidados intensivos neonatais portuguesas. Cento e dez
recém-nascidos sem doença grave, estratificados por idade gestacional (28 a 31 semanas e
seis dias, e 32 a 36 semanas e seis dias) foram aleatoriamente alocados a dois grupos: um recebeu
sacarose oral com chupeta (grupo Sacarose); o outro recebeu sacarose oral com chupeta
e canguru materno (grupo S+CM) antes, durante e após venopunção. As respostas de
dor foram medidas através da escala Premature Infant Pain Profile (PIPP) e foram analisadas
a frequência cardíaca, a saturação de oxigénio da hemoglobina, as acções faciais (percentagem
de tempo em saliência interciliar, olhos apertados e prega nasolabial), o estado
comportamental, a variabilidade da frequência cardíaca (baixa frequência, alta frequência
e ratio entre ambas) e o tempo de recuperação da frequência cardíaca inicial após o final do
procedimento. As acções faciais foram gravadas em vídeo e as variáveis fisiológicas foram
registadas através do Somté® Compumedics, ao longo de cinco fases: antes do procedimento,
preparação da pele, punção, compressão e repouso. Para a determinação do score PIPP, a
análise das gravações foi efectuada por codificadores cegos aos propósitos do estudo.
Para dar resposta ao segundo objectivo, foi realizado um estudo descritivo-correlacional
analisando a relação entre a ansiedade materna medida pela escala de Estado de
Ansiedade do State-Trait Anxiety Inventory (STAI) e as respostas de dor dos recém-nascidos
(N= 60).
As percepções maternas foram estudadas através da análise de conteúdo das entrevistas
semi-estruturadas realizadas às mães que tinham efectuado canguru materno (N= 52).
A comparação dos dois grupos de intervenção quanto a variáveis socio-demográficas
e clínicas não revelou diferenças significativas.
Em todos os testes foi utilizado como nível de significância α< .05. A ANOVA de
medidas repetidas (fases do procedimento) a dois factores (intervenção e idade gestacional)
revelou o efeito principal da intervenção sobre a percentagem de tempo em saliência interciliar,
F(1, 98)= 5.12, p= .026, e olhos apertados, F(1, 98)= 6.02, p= .015. A análise posthoc
mostrou que no momento da punção, a saliência interciliar ocorria durante menos tempo
nos recém-nascidos do grupo S+CM (M= 15.89, EP= 4.58) do que no grupo Sacarose
(M= 29.22, EP= 4.75). O mesmo se verificou para o tempo em olhos apertados (M= 13.85,
EP= 4.36 no grupo S+CM e M= 29.13, EP= 4.52, no grupo Sacarose). O efeito principal da idade gestacional verificou-se na frequência cardíaca mínima e média e no índice baixa
frequência da variabilidade da frequência cardíaca.
A reactividade dos recém-nascidos durante o procedimento foi semelhante nos dois
grupos de intervenção, observando-se o efeito principal da fase do procedimento sobre a
PIPP, a frequência cardíaca, a saturação máxima de oxigénio, as expressões faciais e o índice
baixa frequência da variabilidade da frequência cardíaca. Tal indica uma variação significativa
destes sinais de dor ao longo das fases do procedimento, com aumento dos sinais de dor
desde o momento antes do procedimento até à punção, seguido de uma diminuição desses
sinais até ao repouso.
O teste de Qui-Quadrado para cada fase do procedimento mostrou uma associação
significativa entre intervenção e estado comportamental: em todas as fases, a proporção
de bebés em estado de sono (versus estado de alerta) era significativamente mais elevada
no grupo S+CM.
Apesar não ter havido uma diferença significativa no tempo médio de recuperação
da frequência cardíaca de base após o procedimento, a probabilidade (odds-ratio) de ter recuperado
aos 60 e 90 segundos após o procedimento foi cerca de 3 vezes mais elevada nos
recém-nascidos do grupo S+CM com 32 ou mais semanas de gestação, do que nos do grupo
Sacarose.
Durante o procedimento não se verificaram efeitos adversos em qualquer dos grupos
de intervenção.
A ansiedade materna foi baixa, sendo significativamente mais baixa nas mães do grupo
S+CM (M= 37.78, SD= 9.13) do que nas mães do grupo Sacarose (M= 43.48, SD=
9.82), t(87)= 2.65, p= .009.
Nas entrevistas, as mães salientaram a sensação de bem-estar em ter o bebé em contacto
pele-a-pele, o contentamento em poder protegê-lo da dor e a importância que esse
acontecimento havia tido para a realização do seu papel parental.
Estes resultados demonstram que a combinação sacarose, chupeta e canguru materno
é eficaz e segura em recém-nascidos pretermo, permitindo reduzir a expressão facial e o
tempo de recuperação quando comparada com a utilização de sacarose com chupeta; níveis
baixos e moderados de ansiedade materna não interferem na redução das respostas de
dor dos bebés; as mães apreciam o contacto pele-a-pele durante o procedimento doloroso e
sentem o seu papel parental reforçado por poderem participar no alívio da dor do seu bebé.
Em conclusão, o canguru materno pode ser adicionado ao uso da sacarose com chupeta
para reduzir as respostas de dor de recém-nascidos pretermo acima das 28 semanas de
gestação durante a colheita de sangue por venopunção.
Palavras-chave: dor, recém-nascido pretermo, sacarose, canguru materno, punção
venosa.