Author(s):
Figueiredo, Joana Vital de, 1982-
Date: 2009
Persistent ID: http://hdl.handle.net/10451/2386
Origin: Repositório da Universidade de Lisboa
Subject(s): Neurociências; Hipocampo; Ratos; Memória; Ansiedade de separação; Mães; Teses de mestrado - 2010
Description
Tese de mestrado, Neurociências, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, 2010 O stress modula a função cerebral e a cognição. Acontecimentos com forte carga
emocional marcam-nos fortemente a memória, enquanto níveis excessivos de stress
parecem interferir com a recordação de memórias previamente adquiridas. É importante
estudar se alterações induzidas pelo stress, no cérebro, e particularmente no hipocampo
– estrutura cerebral crucial na aprendizagem e memória – terão um impacto
significativo na função cognitiva. Estudos clínicos têm demonstrado que experiências
de stress durante a infância tornam os indivíduos mais vulneráveis à psicopatologia na
vida adulta. Por outro lado, há cada vez mais factos que suportam a ideia de que eventos
traumáticos ocorridos no período pós-natal têm um impacto permanente no cérebro. Um
dos modelos utilizados e aceite pela comunidade científica como paradigma de stress
crónico no adulto, consiste na perturbação da normal relação mãe-filho, em animais de
laboratório, denominado de separação maternal. A separação maternal resulta em níveis
elevados de corticosterona plasmática e alterações permanentes no sistema nervoso
central (Ladd et al., 2000) que se prolongam até à idade adulta.
Tem sido muito pouco estudado de que forma o stress modula o desempenho em
situações de défice cognitivo subjacente, tal como acontece no envelhecimento. O
objectivo do presente estudo foi o de investigar o efeito do stress neonatal – usando
como paradigma a separação maternal – na memória dependente do hipocampo em
animais idosos.
Foram utilizados dois grupos de ratos Wistar machos divididos em controlo (CTR) e
separação maternal (SM). O grupo SM foi separado da mãe durante 3 horas diárias entre
os dias 2-14 pós-natal, enquanto o grupo CTR não foi manipulado. O seu desempenho
em testes comportamentais para avaliação de actividade motora (teste do campo aberto),
ansiedade (teste do labirinto elevado) e memória espacial (labirinto de Morris) foi
quantificado às 6-8 semanas de vida (jovens-adultos), e posteriormente às 70 semanas
(idosos).
Observou-se um decréscimo da velocidade percorrida no teste do campo aberto, em
idosos CTR comparativamente a animais jovens CTR, não tendo a mesma sido alterada
pela separação maternal, nos dois grupos etários. Contudo, no teste do labirinto elevado,
os animais SM apresentaram um comportamento mais ansioso: os animais jovens SM
permaneceram cerca de metade do tempo total nos braços abertos, relativamente aos
animais jovens CTR. Estas diferenças mantiveram-se nos animais idosos: os idosos SM permaneceram cerca de um terço do tempo nos braços abertos, quando comparados com
os animais CTR da mesma idade. Estas diferenças não foram consequência de
alterações na actividade motora, já que o número total de entradas não sofreu variações
com o stress. No protocolo de memória espacial do labirinto de Morris, os animais
jovens SM permaneceram uma maior percentagem de tempo na periferia da piscina e
apresentaram uma curva de aprendizagem mais lenta: os animais CTR encontraram a
plataforma mais rapidamente que os animais SM, durante os cinco dias de treino e
passaram mais tempo no quadrante da plataforma, no teste final, comparativamente aos
animais SM. Mais relevante é o facto do stress induzido numa fase precoce da vida, ter
efeitos ainda observáveis nos animais idosos, ou seja, o tempo passado no quadrante da
plataforma no teste final foi menor nos animais SM idosos, relativamente aos animais
CTR da mesma idade. Em geral, os animais idosos CTR apresentaram uma curva de
aprendizagem mais baixa do que os animais jovens CTR.
Foi ainda avaliado, num pequeno número de animais, o possível efeito benéfico de
administração oral de cafeína durante um mês, numa dose de 20 mg/Kg/dia, em animais
adultos previamente sujeitos a separação maternal. O tratamento com cafeína aumentou
o tempo de permanência no quadrante da plataforma do labirinto de Morris, em animais
SM, para valores semelhantes aos do grupo CTR. Mas o número limitado de animais e o
facto da cafeína ter tido efeito mesmo no grupo CTR, implica prudência nas conclusões.
Estes resultados preliminares são, contudo, promissores e justificam um estudo mais
completo, com maior número de animais.
Em conclusão, o stress induzido numa fase neonatal, em ratos, induz um
comportamento mais ansioso e um desempenho inferior no labirinto de Morris na
idade adulta. A separação maternal tem um impacto duradouro na memória
espacial, sendo observável mesmo em animais com 70 semanas de idade. Estes
exibem um comportamento mais ansioso e défices na memória dependente do
hipocampo. O mecanismo de acção responsável por estes efeitos não foi explorado
no âmbito deste trabalho e merece uma análise mais detalhada. Estes resultados
sugerem que a exposição a stress numa fase precoce da vida poderá contribuir e
exacerbar os défices na função cognitiva característicos do envelhecimento.