Autor(es):
Ferreira, Tânia Maria de Azevedo, 1978-
Data: 2014
Identificador Persistente: http://hdl.handle.net/10451/10794
Origem: Repositório da Universidade de Lisboa
Assunto(s): Geologia económica; Diatomáceas; Lagoas costeiras; Paleoclimatologia; Holocénico; Lagoa de Melides; Lagoa de Traba - Espanha; Teses de doutoramento - 2014
Descrição
Tese de doutoramento, Geologia (Geologia Económica e do Ambiente), Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, 2014 This thesis presents the mesoscale characterization of the evolution of two lagoon systems,
Traba (550 years of sedimentary sequence) and Melides (1745 years of sedimentary
sequence), using sedimentological, geochemical and biological, particularly diatoms,
indicators. Also, a characterization of 18 present-day transitional environments (coastal lakes
and ponds, lagoons and estuaries) of the Western Iberian Atlantic Coast (WIAC) was
performed, based on the diatom content of 25 samples of surface sediments and water
physico-chemical parameters.
The study of diatom thanatocoenoses in present-day bottom sediments showed that there are
distinct assemblages representative of the major types of environments, and that their
distribution is mainly governed by gradients in salinity, PO4
3 -, NO3 - and Dissolved Organic
Carbon. From this knowledge, a transfer function for salinity was derived which, plus
autoecological data on diatoms, sedimentology, geochemical indicators and geochronology,
were used to reconstruct the long-term evolution of two contrasting coastal wetlands in the
WIAC.
At the considered time scale, the evolution of Traba and Melides was mainly dependent on
changes in four natural and anthropogenic factors: sand-barrier breaching (natural and/or
human-induced), precipitation, forest cover (natural and/or human-induced), and cultural
eutrophication. Sea-level changes played a minor or no role in their recent evolution. The
complex interplay among all these factors prompted large ecological regime shifts interpreted
in the framework of the Alternative Stable State Hypothesis of Shallow Lakes. Before the
systems were impacted by direct human intervention, humid conditions were favourable for
the development of turbid phases, generally irrespective of changes in barrier permeability.
Whereas this relationship is clear in the Traba record, a higher connection to the ocean in
Melides probably gave rise to a much more overlapped signal of the different forcing factors,
making more difficult to disentangle the real contribution of climate in its evolution. In recent
times cultural eutrophication and artificial barrier breaching accounted for most of the
variability in the data, constituting the main drivers of the evolution in the two systems.
In spite of concerns on present-day accelerated sea-level rise, palaeoecological research
performed in Melides and Traba shows that the difficult task of good management practice in
these systems should first focus in reducing nutrient loads to facilitate their natural recovery. Estuários, lagunas e lagos e charcos costeiros são ambientes de transição em constante
evolução, por processos naturais ou atividades antrópicas, enfrentando problemas ambientais
como a poluição ou assoreamento provocado por sedimentação de materiais de origem
marinha ou continental. Este último, tornou-se mais evidente desde há cerca de 5500-7500
anos cal AP (anos calibrados Antes do Presente), quando a barreira arenosa se tornou uma
característica permanente das áreas costeiras da Costa Oeste Ibérica Atlântica (COIA). Torna-se
imprescindível reconhecer se os agentes forçadores da evolução destes ambientes são de
origem natural, antrópica, ou ambas, sendo as diatomáceas um indicador fundamental (em
perspetiva multidisciplinar) no destrinçar dessas mesma origem.
A reconstrução das condições ambientais passadas na COIA, baseada em diatomáceas, tem
sido efetuada, até hoje de forma qualitativa, isto é, focada na autoecologia daquelas
microalgas. Nesta dissertação pretende-se efetuar uma reconstrução paleoambiental
quantitativa. Para tal, duas tipologias de amostragem distintas foram executadas. Um conjunto
de amostras representativas das condições ambientais atuais (25 amostras de sedimentos
superficiais para avaliação do conteúdo em diatomáceas e parâmetros físico-químicos da
coluna de água), de 18 ambientes de transição da COIA (Valdoviño, Doniños, Traba, Louro,
Xuño, Muro, Illa de Arousa, Bodeira, Minho, Lima, Vela, Óbidos, Albufeira, Sado, Melides,
Santo André, Barbaroxa de Baixo e Mira), e outro, consistindo numa amostragem de alta
resolução de duas sequências sedimentares (em Traba, representando os últimos 550 anos e
Melides, representando os últimos 1745 anos). Com o primeiro foi possível construir uma
função de transferência de salinidade, usada na reconstrução ambiental quantitativa das
sequências sedimentares de Traba e Melides.
Os resultados das amostras superficiais mostram que os locais estudados são representativos
de ambientes marginais ou de pouca profundidade, podendo ser agrupados em lagos
costeiros, lagunas e estuários, de acordo com associações de diatomáceas distintas. O primeiro
grupo, constituído por lagos costeiros (Galegos e Portugueses), é caracterizado por
diatomáceas ticoplantónicas e epifíticas de água doce/salobra. O segundo grupo, é composto
por estuários portugueses e um único lago litoral galego (Doniños), sendo caracterizado
principalmente pela presença de diatomáceas epipsâmicas marinhas/salobras. Finalmente, o
terceiro grupo é constituído por lagunas portugueses (e o estuário do Sado) onde as
diatomáceas epífitas de água doce a salobra são dominantes. As diatomáceas mais comuns e
abundantes das amostras superficiais são Achnanthidium minutissimum, Pseudostaurosira
trainorii e Nitzschia frustulum, sendo a salinidade, PO4
3-, NO3- e Carbono Orgânico Dissolvido,
as variáveis que melhor explicam a distribuição das associações de diatomáceas dos ambientes
da COIA. De entre estas, a salinidade é a que apresenta maior potencial para a reconstrução
quantitativa dos paleoambientes costeiros de Traba e Melides.As duas espécies de diatomáceas que melhor caracterizam o registo sedimentar de Traba, são
a Pseudostaurosira trainorii (relacionada principalmente com a instabilidade ambiental
associada a alterações na permeabilidade da barreira arenosa) e Achnanthidium
minutissimum, podendo também ser usadas como indicadoras de mudanças tróficas neste
sistema costeiro. Em Melides, são as espécies Pseudostaurosira trainorii (também aqui
indicadora da instabilidade ambiental associada a alterações na permeabilidade da barreira
arenosa), a epipélica Nitzschia frustulum e a epifítica Cocconeis placentula var. placentula
(relacionadas com mudanças de estados alternativos estáveis) que predominam. À abundância
relativa de taxa de diatomáceas, aliada à reconstrução quantitativa da salinidade adquirida por
função de transferência, juntou-se a sedimentologia, a geoquímica e geocronologia, para uma
interpretação multidisciplinar da evolução ambiental dos sistemas costeiros de Traba e
Melides, mostrando que a sua evolução ecológica, tem como ponto fulcral a teoria dos estados
alternativos estáveis para lagos pouco profundos, isto é, os ambientes variam ao longo da sua
evolução entre dois estados de equilíbrio, uma condição turva com dominância de biomassa
algal e outra transparente, caracterizada por um amplo desenvolvimento de vegetação
aquática.
A evolução ao longo de aproximadamente 550 anos a Lagoa de Traba foi controlada pela ação
conjunta da variabilidade climática e intervenção humana. Verificou-se que as diatomáceas
deste sistema respondem principalmente à abertura da barreira arenosa. Assim, de 1470 a
1875 anos cal EC (anos calibrados da Era Comum), Traba caracterizou-se por um ambiente com
ligação ao oceano, de características oligosalinas e com carga significativa de nutrientes
(condição turva), potenciada não só pela desflorestação provocada pelo Homem, mas também
pelo aumento da precipitação e eventos tempestivos, associados a longos períodos de NAO
(North Atlantic Oscilation) negativa durante a Pequena Idade do Gelo (PIG). Entre 1875 e 1990
anos cal EC, o nível de água deste sistema baixa, bem como a carga de nutrientes (condição de
transparência). Esta transição não está apenas ligada ao terminus da PIG como também à
reflorestação feita na bacia hidrográfica desta zona húmida e consequente aprisionamento de
nutrientes a montante. A partir de 1992 até 2007 anos cal EC, assiste-se a uma nova mudança,
com provável intervenção humana direta nas imediações desta zona húmida, representada
por um novo aumento de nutrientes para esta área. Nos últimos anos, o nível de eutrofização
diminui, devido à abertura artificial da barreira arenosa.
A Lagoa de Melides, de maiores dimensões que a de Traba, apresenta-se como um sistema de
mistura, isto é, mostrando que os múltiplos fatores que influenciam esta zona húmida têm
interação complexa e simultânea, tornando a distinção das causas forçadoras dos últimos 1745
anos deste sistema muito difícil. No entanto, verificou-se que as diatomáceas respondem a
dois grandes fatores, a instabilidade (potenciada pela abertura da barra, entrada de água da
bacia hidrográfica ou precipitação) e mudanças de estados alternativos estáveis do sistema.
Assim, de 260 a 530 anos cal EC, Melides era um ambiente restrito, apesar de apresentar
condição turva. A partir de 530 até 850 anos cal EC, há um acréscimo de carga de nutrientes no
sistema, devido a um aumento da permeabilidade da barreira arenosa. Sugere-se que esta
condição de elevada permeabilidade do sistema esteja a mascarar as condições húmidas
responsáveis pela entrada de nutrientes via continental, em discordância com as condições secas bem estabelecidas para o Período das Trevas. Entre 850 e 1700 anos cal EC, a laguna
transforma-se num ambiente mais restrito, resultado da baixa conexão com o oceano, embora
esta aumente no final este período. Por outro lado, ocorrem duas grandes mudanças nos
estados alternativos estáveis. A primeira dá-se entre 850 e 1700 anos cal EC, através de uma
mudança gradual de condição turva para transparência, desencadeada não só pelas condições
quentes e relativamente áridas da Anomalia Climática Medieval descritas para a Península
Ibérica, como também pelas condições de baixa precipitação associadas a fases positivas
persistentes da NAO, que diminuíram claramente a carga de nutrientes que chega ao espaço
lagunar restrito. Segue-se uma fase de transição, e um novo retorno a um sistema de condição
turva adquirida desde 1950 anos cal EC até ao presente. As condições húmidas da PIG que
aumentariam a carga de nutrientes, não foram no entanto responsáveis pela transição para
uma condição turva, muito devido ao aumento da conexão com oceano, que acontece a partir
de 1950. Sugere-se que é a partir desta data que as condições atuais de hipertrofia foram
adquiridas, como resultado do aumento de nutrientes potenciado pela carga de fertilizantes
chegada por via continental.
Assim, na escala de tempo considerada, a evolução de Traba e Melides dependeu
principalmente de alterações em quatro fatores naturais e antrópicos: abertura/fecho da
barreira arenosa (natural e/ou induzida pelo Homem), precipitação, cobertura florestal
(natural e/ou induzida pelo Homem) e eutrofização cultural. As flutuações do nível médio do
mar desempenharam um papel menor ou nulo na evolução recente destes sistemas. A
complexa interação entre todos esses fatores conduziu a grandes mudanças de regime
ecológico interpretadas segundo a teoria de estados alternativos estáveis para lagos pouco
profundos. Estas mudanças em Melides e Traba dependeram em grande parte das Mudanças
Climáticas Rápidas ocorridas durante o Holocénico. Antes da intervenção humana direta nos
sistemas, as condições húmidas foram favoráveis para o desenvolvimento das fases turvas, e
em geral, independentes de alterações na permeabilidade da barreira. Ambos os sistemas
experimentaram mudanças a partir de um estado turvo para um de transparência associadas a
mudanças de períodos húmidos para secos (o início da Anomalia Climática Medieval em
Melides, e o termo da PIG em Traba). Essa relação é clara no registo de Traba, enquanto que
uma mais frequente conexão com o oceano em Melides, provavelmente, deu origem a uma
sobreposição de sinais dos diferentes fatores que forçam os sistema, tornando mais difícil
separar a contribuição real do clima na sua evolução. Nos últimos anos, a eutrofização cultural
e a abertura artificial da barreira arenosa, são os responsáveis pela maior parte da
variabilidade dos dados, que constituem os principais motores da evolução nos dois sistemas.
Os resultados obtidos mostram-se fundamentais na correta gestão integrada da zona costeira
Ibérica. Apesar das preocupações com o atual aumento do nível do mar, a pesquisa
paleoecológica realizada em Melides e Traba mostra que as boas práticas de gestão devem
primeiro focar-se na redução de cargas de nutrientes para facilitar a sua recuperação natural, e
ser acompanhadas por planos de monitorização e investigação científica multidisciplinar.