Autor(es):
Barbosa, Cristina Maria Botelho da Rocha, 1986-
Data: 2013
Identificador Persistente: http://hdl.handle.net/10451/10588
Origem: Repositório da Universidade de Lisboa
Assunto(s): Expressão génica; Eritropoetina; Teses de doutoramento - 2013
Descrição
Tese de doutoramento, Biologia (Biologia Molecular), Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, 2013 Os estudos da regulação da expressão génica têm revelado elevada complexidade e diversidade de processos responsáveis por uma correta definição das características dos organismos e por um aumento de versatilidade e adaptação dos mesmos. Apesar da regulação transcricional ter sido realçada devido à sua importância para o controlo da expressão génica, a regulação pós-transcricional tem demonstrado ser capaz de contribuir para este controlo com uma multiplicidade de mecanismos que permitem uma modulação da expressão de uma forma mais rápida e versátil (Mata et al., 2005; Mignone et al., 2002; Sonenberg and Hinnebusch, 2009). Pequenas grelhas de leitura a montante da grelha de leitura principal (uORFs – upstream open Reading frames) são um exemplo de elementos que atuam em cis, envolvidos na regulação póstranscricional. As uORFs encontram-se na região 5’ líder do transcrito, parecem estar envolvidas na inibição da tradução da ORF (ORF - open Reading frame) principal, e estão presentes principalmente em proto-‐oncogenes, e em genes envolvidos no crescimento e diferenciação celular (Kozak, 1987; Morris, 1995; Morris and Geballe, 2000; Spriggs et al., 2010). Os últimos estudos apontam para que cerca de 49% do transcritoma humano contenha uORFs (Calvo et al., 2009). Se o codão de iniciação (AUG) da uORF for reconhecido pela maquinaria de tradução é evidente o constrangimento que esta causa ao reconhecimento e tradução da grelha de leitura mais a jusante, funcionando assim como um regulador negativo da expressão génica. Na presente tese, o objectivo foi estudar o funcionamento, os mecanismos associados e a relevância biológica da uORF presente no transcrito da eritropoietina humana (EPO). EPO é uma hormona glicoproteica envolvida na estimulação da eritropoiese, i.e., na produção de eritrócitos e na sobrevivência dos seus precursores. A EPO é uma proteína constituída por 193 aminoácidos, com 30,4 kDa (Bunn, 1990; Krantz, 1991), codificados por um transcrito de 1340 nucleótidos, cuja região 5’ líder é composta por 181 nucleótidos, onde está localizada uma uORF de 14 codões. Ao longo do estudo da EPO foram-lhe reconhecidas outras funções não-‐ - hematopoiéticas, nomeadamente, como resultado das suas actividades de estimulação da proliferação, diferenciação e actividade antiapoptótica, a EPO foi reconhecida como cardio e neuroprotetora (Digicaylioglu and Lipton, 2001; Gassmann and Soliz, 2009; Maiese et al., 2008). De forma análoga ao que aconteceu com as suas funções, também o reconhecimento dos tecidos onde é produzida foi alargado. Inicialmente foi atribuída a sua produção e excreção ao fígado, na vida fetal, e ao rim, na vida adulta (Dame et al., 1998; Paliege et al., 2010). No entanto, o seu mRNA é expresso numa multiplicidade de outros órgãos tais como: células cerebrais, coração ou pulmões (Dame et al., 2001; Fandrey and Bunn, 1993; Ghezzi and Brines, 2004; Hoch Et al., 2011). Sendo assim, a EPO é uma proteína multifacetadae fundamental para uma diversidade de processos biológicos, o que revela a necessidade de uma regulação fina da expressão desta proteína. De facto, são vários os mecanismos responsáveis pela correta e coordenada produção da EPO. Um dos mais bem e frequentemente estudados é o aumento da transcrição da EPO como resposta à hipóxia. Neste processo está envolvido um factor de transcrição induzido pela hipoxia (HIF – Hypoxia inducible factor). Na presente tese demonstramos como a regulação pela uORF da EPO funciona como mais um nível desta já complexa estrutura de controlo de expressão da EPO. Os nossos resultados demonstram que a uORF da EPO é extremamente conservada ao longo da evolução. A sua conservação é observada na presença, tamanho, região intercistrónica, sequência nucleotídica e sequência peptídica, o que nos indica que haja uma funcionalidade associada à sua existência. De facto, os resultados obtidos revelam que a esta uORF é funcional, sendo reconhecida pela maquinaria de tradução em todas as linhas celulares humanas estudadas: linhas celulares de rim fetal (HEK293), Hepatócitos de adulto (HepG2) e rim adulto (REPC), que foram seleccionadas precisamente por corresponderem aos locais com maior produção e secreção da EPO. Para além da preservação da sua função em todos os tecidos analisados verificamos também a manutenção dos vários mecanismos associados à função da uORF da EPO. Mais especificamente, os nossos resultados demostram que tanto o leaky scanning no AUG da uORF da EPO, como a reiniciação da tradução estão envolvidos no reconhecimento e expressão da ORF principal. Adicionalmente, esta uORF funciona de uma forma independente do péptido que codifica, não promovendo o bloqueio da maquinaria de tradução nem, devido ao seu pequeno tamanho, sendo capaz de induzir a rápida degradação do respectivo transcrito (NMD – nonsense-‐mediated mRNA decay). Em Seguida demonstrámos que a região a 3’ não traduzida (3’UTR – 3’ Untranslated region), descrita como envolvida no controlo da estabilidade do transcrito (McGary et al., 1997; Rondon Et al., 1991), é responsável pelo aumento da expressão da ORF principal nas três linhas celulares em estudo. No entanto, apenas na linha celular REPC, este facto corresponde a um aumento dos níveis de mRNA, mantendo-‐se estes inalterados nas células HEK293 E HepG2. Adicionalmente, demonstrámos que esta região tem uma função independente da uORF da EPO, mantendo esta última um impacto negativo na expressão da ORF principal, mesmo na presença da 3’UTR. Estes mecanismos verificaram-se em todas as linhas celulares em estudo revelando uma manutenção do funcionamento da uORF em todos os tecidos em que há expressão. Tendo Em conta que os exemplos de uORFs descritos demonstram a sua capacidade de alterar a sua repressão em resposta a condições de stresse (Chen Et al., 2010; Mouton‐Liger Et al., 2012; Pentecost Et al., 2005), decidimos verificar se a uORF da EPO tem essa função. Para tal induzimos nas células HEK293, HepG2 E REPC Hipoxia química e privação de nutrientes e verificámos que apenas nas células REPC, sob efeito de hipóxia, a uORF é de facto menos repressiva, permitindo um aumento de expressão da ORF principal. Deste modo, verificámos que a regulação da expressão mediada pela uORF da EPO é específica de tecido e de estímulo. Na Tentativa de perceber qual o mecanismo subjacente verificámos que, apesar dacomplexa estrutura secundária da região 5’ líder do transcrito da EPO, esta não apresentava sequências internas de entrada do ribossoma (IRES – Internal ribosome entry sites) em condições normais, nem em condições de hipóxia, não sendo este processo o responsável pela diminuição do impacto negativo da uORF. No entanto, demonstrámos que ocorre uma maior percentagem de leaky scanning nestas condições, ou seja, que o AUG da uORF da EPO está a ser menos reconhecido e que este efeito está directamente relacionado com a fosforilação do factor de iniciação eucariótico (eIF – Eucaryotic initiation factor) 2α, tal como já foi descrito anteriormente para outras uORFs (Palam Et al., 2011; Zhou et al., 2008a). Esta Resposta da uORF da EPO Está relacionada com a regulação da sua expressão em condições de hipoxia no rim e com as suas funções hematopoiéticas, apresentando-‐se, deste modo, como um novo mecanismo de regulação para além dos já descritos. Como foi referido anteriormente, a EPO É uma proteína multifacetada com um elevado potencial neuroprotetor e cuja expressão foi observada em células cerebrais. Tendo Isto em consideração, decidimos estudar o efeito da uORF da EPO numa linha celular de fibroblastos do cérebro (SW1088). O nosso primeiro objectivo foi verificar se a uORF da EPO mantém a sua funcionalidade também nesta linha celular e se os mecanismos de acção são preservados. Os nossos resultados evidenciam que a uORF é funcional, inibindo a tradução da ORF principal na mesma ordem de grandeza observada nas linhas celulares anteriormente referidas. Adicionalmente, verificámos que, também nesta linha celular, tanto o mecanismo de leaky scanning no AUG da uORF como a reiniciação da tradução são responsáveis pela tradução da ORF principal. Concomitantemente, a uORF funciona de forma independente da sequência peptídica, e tem um efeito independente da presença da 3’UTR que, tal como nas linhas celulares HEK239 e HepG2, é capaz de aumentar os níveis de proteína. Consequentemente, tal levou-nos a estudar a resposta da uORF a situações de stresse. Para tal, induzimos isquemia química nas células SW1088. Os resultados foram surpreendentes visto que a capacidade de tradução da ORF principal aumentou grandemente quando as células foram expostas ao estímulo, apontando para um alívio do efeito repressor da uORF. No entanto, este efeito resultou da diminuição dos níveis de mRNA mantendo-se os níveis de proteína inalterados. Adicionalmente, fomos estudar as características e factores envolvidos na reiniciação da tradução após a leitura da uORF da EPO. Na presente dissertação, demonstrámos que o tamanho da uORF determina a capacidade de reiniciação, tal como era esperado. Verificámos ainda que a depleção das subunidades h, f e e do complexo eIF3 diminui a capacidade de reiniciação, mas o mesmo não se verifica com a depleção das subunidades a e c do eIF3. Assim, é possível concluir que o complexo proteico que constitui o eIF3 está directamente implicado na eficiência de reiniciação através de subunidades específicas. Em conclusão, o trabalho desenvolvido na presente dissertação demonstrou a existência de um novo mecanismo de regulação da expressão da EPO, dissecou os mecanismos dessa regulação da tradução e revelou a sua implicação na resposta a diferentes condições de stresse, indicando a sua relevância biológica. Os nossos resultados contribuíram também para elucidar a base molecular adjacente ao mecanismo de reiniciação.