Autor(es):
Sequeiros, Nuno
Data: 2013
Identificador Persistente: http://hdl.handle.net/10316/24065
Origem: Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Assunto(s): Reabilitação de edifícios; Reabilitação urbana
Descrição
A contemporaneidade representa um período em que a
reabilitação é cada vez mais um tema recorrente e a necessidade do
reaproveitamento da massa edificada existente, uma realidade. É
neste contexto que, para a elaboração deste trabalho de dissertação,
será abordada a cidade do Porto, o seu carácter urbano e o legado
da burguesia oitocentista. O interesse neste tema surge do contacto
esporádico com esta cidade, proporcionado ao longo do curso,
através das conferências, visitas, ou outras actividades que tornam
o Porto um destino obrigatório da arquitectura em Portugal. O
primeiro passo consiste, então, naturalmente, pela compreensão da
cidade, o estudo da sua história e da sua evolução urbana.
Após séculos de justaposição, aglomeração, demolição e
reconstrução, e algumas décadas de planeamento, o centro urbano
portuense mantém-se como uma memória de uma burguesia
enriquecida que se sobrepõe à própria classe aristocrática e clerical
e, assim, domina a cidade. O impacto desta especificidade social
estende-se à arquitectura e à própria morfologia da cidade que,
através de uma filosofia de vida muito característica, torna a cidade
do Porto um exemplo único em Portugal. A grande inovação burguesa é a forma de habitar em que, a casa, mais do que
propriedade, se transformava numa extensão da identidade da
família, se transformava num lar.
Deste modo, a habitação burguesa portuense, dotada de uma
matriz praticamente intocável ao longo das décadas, afirma-se
como o modelo quase exclusive adoptado para a edificação nesta
cidade sendo, então, repetida incessantemente ao longo dos novos
arruamentos de expansão urbana. “Edificações alinhadas e
destinadas a habitações unifamiliares de diferentes dimensões,
posteriormente plurifamiliares e de rendimento, ou a oficinas e
lojas, isoladas, geminadas, em banda, repetidas ou agrupadas
através de um eixo que as centraliza, elas são invólucros, massas
construídas, transições entre o mundo exterior e o colectivo do
espaço urbano e o mundo privado. Estas habitações, refúgio do
espaço íntimo e privado, ocultam um outro espaço não edificado,
mas também privado, afastado do espaço público pelos contínuos
edificados – o logradouro.” 1
Este espaço, tipicamente associado à habitação burguesa,
surge no aproveitamento do loteamento característico na cidade
que vai ter um impacto profundo na modulação portuense e, mais
especificamente, no quarteirão urbano. No entanto, dependendo
de factores como a proximidade ao centro, do poder económico
dos seus residentes, ou mesmo da morfologia do terreno, o
quarteirão demonstra algumas variações tipológicas no que diz
respeito ao seu interior e correspondente alçado tardoz.
Acerca do quarteirão portuense, Maria do Carmo Pires
revela a sua experiência: “num percurso inicial, observámos aquele
que parecia ser um conjunto edificado de morfologia repetitiva e
monótona, mas, posteriormente, um outro olhar revelou-nos uma grande variedade e multiplicidade naquelas frentes de rua que
pareceram, anteriormente, alinhadas e estereotipadas”.2 Luigi
Gazzolla esclarece ainda, relativamente à questão, que: “La
tipologia architettonica non si definisce dunque como disciplina
autonoma, ma come disciplina strumentale, poiché participe di un
píu ampio processo di ideazone.” 3. O quarteirão torna-se assim um
ponto fulcral na elaboração desta investigação, que visa uma
melhor compreensão da relação com a cidade, da sua influência na
própria urbe e da repercussão da mesma nas suas características.
Esta abordagem acompanha a tendência actual em que finalmente
“se começa a valorizar o estudo desta arquitectura que nada tem a
haver com a magnificência, com a monumentalidade, mas aquela
que estuda e interpreta os espaços de vivência quotidiana do mais
comum dos cidadãos e que só poderá ser compreendida, na sua
totalidade, a partir de um tratamento pluridisciplinar” 4.
Por outro lado, após uma expansão e desenvolvimento
urbanos acentuados ao longo de séculos, a cidade do Porto
atravessa agora uma fase diferente. Nesta “nova era”, para além do
contraste demográfico, regista-se uma alteração no paradigma de
habitação na cidade que, aliada a uma situação económica
desfavorável, resulta numa quase total estagnação do sector
construtivo. Por oposição, numa altura em que ao centro urbano
portuense é atribuído o estatuto de património mundial da
UNESCO, a zona histórica é palco de inúmeras intervenções
cirúrgicas. ”Num momento em que assistimos, na cidade, à ruína e
à destruição de edifícios, de finais de Oitocentos e inícios de
Novecentos, resultado de um mercado imobiliário ávido pela
promoção de novos tipos de edificações, das necessidades
comerciais e das opiniões que os apelidam de “sempre iguais”,
apelamos à conservação deste conjunto de espaços concretos e de uma “arquitectura que escreve História”5. É neste espirito de
conservação e de colmatação que, após reunidas as condições
teóricas, este trabalho avança para uma proposta de intervenção na
cidade.
Durante o estudo da evolução portuense, houve um contacto
inevitavelmente mais próximo com a cidade e foi assim que, na
análise do espaço urbano, se destacou o quarteirão delimitado pelas
ruas Álvares Cabral, da Cedofeita, dos Bragas, dos Mártires da
Liberdade e pela Praça da República. Este exemplo, marcado
fortemente pela sua anterior existência como Quinta de Santo
Ovídio, representa o legado histórico portuense em toda a sua
força, ao mesmo tempo que demonstra um grande potencial
urbano que, devido a um comportamento negligente, ou apenas às
incontornáveis questões de propriedade, foi ignorado ao longo das
décadas.
É deste modo que este quarteirão, dotado não só de
inúmeros exemplos de uma arquitectura verdadeiramente
portuense, mas também de equipamentos históricos da indústria
local e ainda de reminiscências rurais, se torna o alvo da proposta
em questão. Esta intervenção será então realizada no sentido, não
apenas de o reparar e recuperar, mas também de o reequipar,
visando a sua abertura à comunidade e à cidade transformando o
devoluto e degradado numa nova urbanidade, actual e dinâmica. Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, apresentada ao Departamento de Arquitectura da F. C. T. da Univ. de Coimbra.