Author(s):
Dias, João Paulo dos Santos
Date: 2013
Persistent ID: http://hdl.handle.net/10316/23329
Origin: Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Subject(s): Acesso ao direito e à justiça; Ministério Público; Cidadania; Interface
Description
A expansão global do poder judicial, como referiram Neal Tate e Torbjorn Vallinder (1995),
foi o mote que permitiu iniciar uma nova fase de atenção e reflexão sobre o papel que a
justiça – corporizada pelos tribunais e dentro destes pelos juízes e mais recentemente pelos
magistrados do Ministério Público – ocupa na redefinição dos equilíbrios dos poderes dos
Estados e na relevância da sua atuação para a consolidação dos sistemas democráticos. A
independência da justiça, exercida pelos seus profissionais, é um princípio fundamental para
garantir que, no complexo jogo de equilíbrio entre os três poderes estatais da velha
conceção de Montesquieu, os direitos de cidadania são cabalmente respeitados e os valores
basilares de um sistema democrático são assegurados. Contudo, a aplicação e sustentação
deste princípio não depende apenas do poder judicial, dado que o seu desempenho se
encontra limitado pelos meios e leis que os outros poderes do Estado colocam à sua
disposição. E com o avolumar das crises financeiras e económicas dos Estados ocidentais,
entre os quais os integrantes da União Europeia como é o caso de Portugal, perspetiva‐se o
recrudescimento de tensões entre os diversos titulares dos diferentes órgãos de soberania.
A reflexão sobre o papel e protagonismo do poder judicial não se pode confinar à mera
análise dos modelos existentes ou do estudo da profissão que, historicamente, mais tem
sido focada pelo seu lugar fulcral no seu seio: os juízes. Neste contexto, o Ministério
Público é cada vez mais um ator incontornável dentro dos sistemas judiciais. Apesar do
papel crescente que detém, em especial na área penal, o Ministério Público não atingiu
ainda um estatuto consensual, quer seja nas funções, quer nas competências que detém.
O Ministério Público, apesar do seu maior protagonismo, é um ator judicial ainda
relativamente desconhecido dos cidadãos, em particular sempre que assume funções que
vão além da sua ação penal, como acontece em muitos países e, também, em Portugal.
O conjunto alargado de competências que o Ministério Público exerce em Portugal,
nas várias áreas jurídicas, transformam‐no num ator incontornável na avaliação do
desempenho do sistema judicial ou na introdução de melhorias no seu funcionamento.
Por conseguinte, a parca informação existente originou uma necessidade em conhecer
melhor o seu funcionamento e as suas práticas profissionais, potenciando a circulação
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de ideias e soluções para eventuais reformas judiciárias no modelo que atualmente
vigora em Portugal. A imprescindibilidade em estudar o Ministério Público português
radica no facto de este desempenhar um papel crucial, mas pouco realçado, no acesso
dos cidadãos ao direito e à justiça, ao personificar‐se num mecanismo que congrega o
exercício de competências legais com práticas informais de grande relevância para a
promoção e garantia dos direitos de cidadania.
A pluralidade de formas de acesso dos cidadãos ao direito e à justiça através de entidades,
públicas e privadas, que atuam dentro e fora do sistema judicial português é hoje uma
realidade. A existência de uma “quase” rede de serviços jurídicos complementares, em
regra desvalorizados ou ignorados, permite perspetivar uma conceção de acesso dos
cidadãos ao direito e à justiça onde o papel de um conjunto diversificado de entidades
públicas e privadas pode ser bastante importante no reforço e aprofundamento do
sistema democrático. E, neste sistema, o Ministério Público detém um papel de interface
que está, de forma aparentemente dispersa, situado no meio desta “rede”.
O objetivo principal desta investigação passa, assim, por compreender a identidade, as
competências legais e as práticas profissionais e informais do Ministério Público em
Portugal como um ator defensor e promotor de um melhor acesso dos cidadãos ao
direito e à justiça nas várias áreas jurídicas onde intervém ativamente. Procurar‐se‐á
analisar como se desenvolve o exercício das múltiplas competências do Ministério
Público na relação com os cidadãos e no papel de interface que ocupa entre os
tribunais e as distintas entidades e profissões, públicas e privadas, que atuam no
sistema de acesso dos cidadãos ao direito e à justiça.
Não se trata de procurar o “modelo perfeito” ou de tentar efetuar qualquer “síntese
ideal”, mas antes de destacar as principais características que podem contribuir para
que o Ministério Público em Portugal cumpra uma função essencial na defesa da
legalidade e na promoção do acesso ao direito e à justiça dos cidadãos, contribuindo
para a melhoria do atual sistema democrático em tempos de grande pressão sobre os
direitos historicamente conquistados e construídos.