Autor(es):
Bernardino, Raquel Marina
Data: 2012
Identificador Persistente: http://hdl.handle.net/10316/23310
Origem: Estudo Geral - Universidade de Coimbra
Assunto(s): Universidade de Coimbra
Descrição
Embora não o soubéssemos na altura, o leitmotif que veio a dar origem a esta
dissertação surgiu num dos primeiros trabalhos do curso. A (então) recentemente
renomeada disciplina de Introdução à Cultura Arquitectónica pedia que de entre os
vários temas marcantes da história da arquitectura escritos no quadro, se formasse um
grupo e se escrevessem algumas páginas a propósito de um deles. Escolhemos, quase ao
acaso, A Arquitectura das Ditaduras. Este trabalho serviu, ainda que sucintamente,
como uma introdução ao interesse no tema da relação Arquitectura/Poder, que
esperamos seja mais aprofundado nesta dissertação. A relação entre a arquitectura e os
vários poderes e ideologias políticas e a forma como estes se materializam em edifícios
ficou como interesse particular dentro da disciplina arquitectónica. Queremos reflectir
sobre o que está a montante e jusante da Arquitectura, perceber melhor o que, mesmo
sendo externo, lhe confere contexto e consequência. Pretendemos pensar a
Arquitectura desta perspectiva, como parte política, na génese da sua encomenda, e
como parte programática, na sua realização, interdisciplinar e comunitária no uso.
Tendo sempre este tema como objectivo para a dissertação, faltava fazê-lo
palpável, concreto, faltava um objecto que servisse como caso de estudo. Este surgiu
prontamente nas primeiras conversas com o orientador: os 3 pólos universitários de
Coimbra, como reflexos privilegiados dos poderes que lhes deram origem, três
episódios na Cultura Arquitectónica Portuguesa. Serviria então como base óbvia e
essencial a esta dissertação o ensaio de Nuno Grande 3 pólos universitários, 3 faces da
arquitectura portuguesa no número 29 da revista Rua Larga. Planeados como novas
“cidadelas”, os três Pólos Universitários de Coimbra tornaram-se, a seu tempo, em
assentamentos “datados” – mesmo que incompletos – isto é, cristalizados nas suas
opções urbanísticas e arquitectónicas.1 O presente estudo surge com a vontade de reflectir sobre a relação
Arquitectura/Poder, pensando a arquitectura e o desenho urbano como inevitáveis
inscrições do poder, uma vez que as experiências de grande escala serão assim
frequentemente apoiadas. Pretendemos compreender o que contextualiza a
arquitectura e como esta argumenta o ideário do poder que a sustenta.
Tomaremos como casos de estudo três episódios na Cultura Arquitectónica
Portuguesa, concretizados nos três pólos da Universidade de Coimbra. Questionaremos
nesta relação Arquitectura/Poder as intervenções do ponto de vista do Estado que as
encomenda: o que diferencia ou aproxima, na materialização, o desenho encomendado
por um regime de poder autoritário, como o Estado Novo, de um regime pós 25 de
Abril, numa primeira democratização do acesso ao Ensino Superior? E o que separará
ou terão por sua vez em comum com o regime democrático actual no que diz respeito
aos edifícios construídos e à cidade desenhada?
Interessa-nos, na perspectiva da relação Arquitectura/Poder estudar
sistematicamente os três pólos da Universidade. Tendo sido a Cidade Universitária do
Estado Novo, Pólo I, objecto de um maior número de estudos, tencionamos colocar os
três pólos em contraponto, perceber a encomenda que origina cada um deles,
analisando-os do ponto de vista do desenho arquitectónico e de cidade, os aspectos que
os distinguem e que os aproximam. Queremos, sobretudo, através dos três pólos,
contar a história da cultura arquitectónica portuguesa nesses respectivos momentos.
Vários autores exploraram já a relação Arquitectura/Poder. Deyan Sudjic em
The Edifice Complex questiona a capacidade que a arquitectura terá de projectar um
edifício com um significado inerente. Também Adrian Tinniswood em Visions of Power
analisa esta relação ao longo da História, em vários edifícios e regimes assinaláveis que
vão desde o Panteão de Adriano em Roma à nova cidade de Paris de François
Mitterrand.
A origem da Universidade em Portugal foi também já objecto de vários estudos:
Joaquim Veríssimo Serrão, em A História das Universidades expõe o contexto na
origem das primeiras universidades europeias. A compilação editada pela Fundação
Calouste Gulbenkian, História da Universidade em Portugal trata os vários aspectos
na origem e primeiros séculos depois da fundação dos Estudos Gerais portugueses. A
Universidade na Cidade, prova de doutoramento de Rui Lobo, estuda o período de
origem da universidade, respectivo urbanismo e arquitectura, até ao seu
desenvolvimento pleno2. Como referência no estudo da reforma de D. João III
tomaremos a tese de doutoramento de Walter Rossa, Divercidade: urbanografia do
espaço de Coimbra até ao estabelecimento definitivo da Universidade. Pelo mesmo autor, o capítulo A cidade Portuguesa no terceiro volume da História da Arte
Portuguesa coordenado por Paulo Pereira e O Verdadeiro Mapa do Universo, de Nuno
Grande, servirão como referências quanto ao estudo da reforma Pombalina na
Universidade de Coimbra.
No livro Cidade Sofia, resultado de um ciclo de conferências no âmbito de
Coimbra, Capital Nacional da Cultura 2003, com coordenação de Rui Lobo e Nuno
Grande, reflecte-se sobre o programa da cidade universitária em vários exemplos de
cidades europeias, em especial, Coimbra nos seus vários pólos.
Nuno Rosmaninho em O Princípio de uma “Revolução Urbanística” no Estado
Novo analisa, no período de 1934-1940, os primeiros planos para a Cidade
Universitária de Coimbra com a intenção de melhor explicar a origem do projecto que
nos anos seguintes viria a operar profunda remodelação urbanística na Alta da cidade.
Em O Poder da Arte, O Estado Novo e a Cidade Universitária de Coimbra, do mesmo
autor, temos uma análise detalhada da intervenção do Estado Novo na Cidade
Universitária de Coimbra. O autor analisa a construção dessa cidade como uma das
melhores expressões de arquitectura de poder do Estado Novo, afirmando que poucas
obras revelarão tão claramente o uso propagandista do património.
Várias provas finais de licenciatura em Arquitectura tiveram como objecto de
estudo a edificação levada a cabo pelo Estado Novo, algumas das quais analisam a
Cidade Universitária de Coimbra. Destas destaca-se a prova Expressão: Fascista? O
Percurso da Cidade Universitária de Coimbra como expressão de uma arte política de
Sílvia Benedita onde é estudada a cidade universitária como instrumento de um poder.
No que diz respeito ao estudo do Pólo II, existe a prova final de Filomena Pinheiro, Pólo
II: uma Nova (Univer)Cidade. A dissertação de doutoramento de Maria Madalena
Aguiar da Cunha Matos, As cidades e os campi, será referência quanto ao estudo dos
edifícios universitários em Portugal. Nos dois pólos mais recentes, a base fundamental
do estudo serão necessariamente os documentos consultados no Gabinete para as
Novas Construções da Reitoria da Universidade de Coimbra e os documentos cedidos
ao Arquivo da Universidade de Coimbra pelo antigo Pró-Reitor, Professor Carlos Sá
Furtado.
A pertinência do trabalho aqui proposto prende-se com a análise que porá em
contraponto, para cada um dos três pólos universitários, o contexto que lhes deu
origem, a encomenda e o poder que a sustentou, e como este terá eventualmente
condicionado a resposta dos arquitectos no desenho. Pretendemos perceber as
intenções da Universidade e de todo o seu desenvolvimento desde a génese da
encomenda ao processo de construção. A importância desde estudo estará também na
perspectiva da relação Arquitectura/Poder no estudo dos Pólos II e III e a sistematização e contraponto com a cidade universitária de Cottinelli Telmo, já alvo de
mais estudos pormenorizados.
Assim, no capítulo ZERO, de contextualização e antecedentes, começaremos por
fazer uma breve reflexão sobre a relação Arquitectura/Poder que será fio condutor da
dissertação. Estudaremos brevemente a origem da Universidade em Portugal como
antecedente da fixação da instituição em Coimbra. Neste estudo interessar-nos-á
particularmente, a mudança definitiva dos Estudos Gerais para Coimbra com a reforma
de D. João III. Analisaremos também a reforma levada a cabo pelo Marquês de Pombal
e consequentes e particulares reflexos na Universidade de Coimbra. Interessa-nos, mais
que fazer um estudo aprofundado que aqui não caberia, fazer uma breve análise, do
ponto de vista da relação Arquitectura/Poder da fundação da Universidade e
respectivas reformas fundamentais anteriores ao Estado Novo: a de mudança definitiva
para Coimbra levada a cabo por D. João III, e a do Marquês de Pombal que rematou o
processo de expulsão dos Jesuítas e reforma do ensino, até então monopolizado pela
Companhia.
Seguiremos depois, no capítulo UM, com os três episódios na arquitectura
portuguesa, o primeiro dos quais será o período do Estado Novo, cujas opções tomadas
na construção da Cidade Universitária de Coimbra tomaremos como caso de estudo.
Interessa-nos perceber a génese do projecto, a sua relação com a cidade existente, o
modo como se relaciona com o regime político que o apoia. Saber como nasce a cidade
universitária contra a topografia e memória da velha Alta, como é imposta a planta e
como aparece a nova linguagem arquitectónica monumental-nacionalista.
No capítulo DOIS debruçar-nos-emos sobre o estudo do Pólo II, Pólo das
Engenharias, como objecto resultante e, de certa forma, representativo do contexto
pós-25 de Abril em Portugal com a democratização do acesso ao Ensino Superior e
consequente acréscimo do número de cursos, disciplinas e estudantes. Analisaremos as
intenções e condicionantes no concurso para o plano do Pólo II e os desígnios e teoria
na base da proposta vencedora dos arquitectos Camilo Cortesão e Mercês Vieira.
Tentaremos perceber a resposta de cada um dos arquitectos para os diferentes edifícios
e programas, e respectiva concretização numa aparente consistência tipológica e
uniformidade formal e material. Interessa-nos perceber a encomenda da Universidade,
sob um poder democrático, necessariamente mais difuso.
No capítulo TRÊS, o objecto de estudo final será, necessariamente, o Pólo III,
das Ciências da Saúde, localizado na zona de Celas, junto do Hospital Universitário
inaugurado em 1987. Observaremos as condicionantes impostas no plano do arquitecto
Eduardo Rebello de Andrade e a resposta dada no projecto de cada um dos edifícios. Na
sua maioria assinadas por ateliers de jovens (colectivos) de arquitectos, e objecto de concurso público, cada um dos edifícios parece assumir-se como um objecto, num
aparente novo tipo de racionalismo, eminentemente formal, numa desmaterialização
da escala e da leitura de pisos e vãos, que o autonomiza.3
Concluiremos, no capítulo QUATRO, pondo em contraponto os três casos de
estudo, desde o contexto na respectiva génese, poder que o apoiou na encomenda e
materialização. Compararemos a forma como cada um dos pólos universitários
desenhou a cidade e interagiu com o existente, a sua concretização, linguagens
utilizadas e respectiva coerência e intenção.
Por último, no capítulo Anexos estará o importante ponto de vista de pessoas
com um papel chave no processo de construção da Universidade de Coimbra através de
entrevistas: o Engenheiro Rui Prata, o Professor Carlos Sá Furtado, o Arquitecto
Eduardo Rebello de Andrade e a Doutora Teresa Mendes. Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, apresentada ao Departamento de Arquitectura da F. C. T. da Univ. de Coimbra.